Júnior abandona de uma só vez o emprego
e a esposa e vai morar com o pai. Sem dinheiro, sem casa, sem amor próprio e
sem perspectivas, passa os dias dormindo no velho sofá do apartamento ou
vagando pelas ruas, onde gasta os últimos trocados com bebida e cigarro. No
entanto, a monotonia de sua rotina é quebrada quando caixas contendo mensagens
enigmáticas e objetos estranhos começam a chegar pelo correio.
Um
único evento, que o autor chama de "infeliz coincidência", faz com
que Júnior abandone emprego e esposa. O trauma é tanto que ele fica totalmente
desorientado e sem motivação pra nada. O pai, José Sênior, quer apoiar o filho, mas, conforme o tempo passa e ele
nota a falta de reação de Júnior, intensifica a pressão para que o hóspede
indesejado arrume um emprego a fim de ter a antiga rotina da casa restaurada, afinal, ele tem um interesse especial nisso.
Rejeitado
pela ex-mulher, ignorado pelo ex-patrão, pressionado pelo pai, Júnior vai
ficando cada vez mais estressado e deprimido, afogando as mágoas na bebida. O
único momento de alegria de seus dias são suas breves conversas com Bruna, a jovem estudante de artes que
aluga o antigo quarto de Júnior e de seu irmão, Pedro. Quando os misteriosos
pacotes começam a chegar, Bruna se oferece para ajudar a decifrar a mensagem e,
sem querer, acaba sugada para a espiral de insanidade de Júnior.
Faz
tempo que eu queria ler algo do Mutarelli, mas só tirei esse livro
da estante agora porque o filme (“Quando
eu era vivo” – falei dele AQUI)
estava para estrear e, como de hábito, eu queria ler antes. O que encontrei nas
páginas dessa obra foi uma escrita direta, simples, feita de frases curtas e
impactantes. Às vezes, entre as frases, surgem números de série e nomes de
peças de automóveis, indicando a única coisa certa e imutável que restou na
vida de Júnior, seu último resquício de lucidez, ao qual ele se agarra
desesperadamente. Em determinado momento, Júnior começa a se ver dividido em
dois, fazendo a mesma ação duas vezes: uma de suas metades agia em velocidade
normal e a outra em slow motion. E essa repetição de cenas acontece no livro
pela repetição de palavras e frases. Perturbador.
Conforme
se afunda na bebedeira e se torna cada vez mais obcecado em resolver o
quebra-cabeça enviado por Sedex, Júnior vai desenterrando objetos e lembranças
da infância ao lado do irmão (que está preso) e da mãe, que gostava de estudar
civilizações antigas e demônios. Em sua mente já debilitada, tudo se mistura e
ele não consegue mais distinguir imaginação de realidade. A angústia e o
delírio do protagonista são tão grandes que me peguei segurando a respiração em
determinados trechos da leitura. Fiquei até com dor de cabeça. Vivenciar a
experiência de Júnior foi bem extenuante.
"O metrô está vazio. Já passa das onze. Júnior carrega a expressão da desilusão e uma pequena mala. Respira com dificuldade pela boca. Seu rosto parece uma máscara. A máscara do desengano. Ou do engano? O maquinista ou uma gravação anuncia a próxima estação. Júnior nunca conseguiu descobrir quem anuncia as estações. Levanta com dificuldade e salta. Caminha de maneira letárgica, mecânica, como se algo o empurrasse, com esforço. Carrega uma pequena mala e quarenta e três anos mal-dormidos".
Apesar
de ter terminado a leitura mentalmente esgotada, foi incrível. Adorei a forma
como o autor transporta o leitor para dentro da história e da cabeça de Júnior.
Quero mais!
Ah... indicação especial para fãs de William S. Burroughs.
Oi Michele, muito bacana tua resenha.
ResponderExcluirMutarelli sempre nos suga, nos coloca pra pensar, gosto disso.
Eu preciso ler mais este autor e tua resenha me fez lembrar disso.
Hug
Mais uma excelente resenha, mais um livro pra lista :D
ResponderExcluirTambém tem um tempo que quero conhecer a escrita do Lourenço!
Mig, você já leu O sonâmbulo amador? A história não é parecida com esse livro, mas enquanto lia sua resenha, lembrava dele então acho que vale a conferida!
Beijo!
Fiquei com vontade de assistir o filme e agora que sei que ele é uma 'adaptação bem livre' do livro, fiquei mais interessada.
ResponderExcluirNunca li nada do Murtarelli, tenho um interesse enorme por esse autor, ele parece ser fodão.
Vou ler a crítica do filme, e espero ler o livro em breve ;)
Beijos!
Tenho vontade de conhecer a obra do Mutarelli e fiquei curiosa ao saber desse livro, mas provavelmente assistirei o filme antes.
ResponderExcluirBeijo!
Com certeza quero ler o livro para depois ver o filme. Uma ótima resenha Mi... e a lista só aumenta. :) beijo
ResponderExcluirMarcia,
ResponderExcluirÉ isso mesmo. Mutarelli é vampiro...rs. A leitura de seus livros é extenuante, mas vale a pena.
Tati,
Li uns comentários sobre "O sonâmbulo amador" e já entrou para minha lista de leituras futuras. Acho que vou gostar...
Maura,
Esse é um caso em que a ordem "leitura/filme" não importa, já que a abordagem de cada história é bem diferente. Gostei de ambos, mas o livro foi mais impactante.
Lígia,
Como eu disse acima, pode ver antes sem problema. É bem diferente do livro, viu?
Rachel,
Depois me conta o que achou. ;)
Estava procurando opiniões sobre este livro e acabei aqui. Muito bacana sua resenha.Eu particularmente gosto de livros perturbadores. Depois da última página eles fazem a gente suspirar fundo e olhar com mais otimismo a nossa própria vida. Abraço!
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