Esther Greenwood parecia estar vivendo
o sonho de toda garota: havia entrado em uma renomada universidade para moças,
fora aceita em um disputado programa de estágio que levava alunas selecionadas para passar um verão em
Nova York , onde as meninas aprendiam um pouco mais sobre o
universo de uma revista feminina e participavam da agitada noite da metrópole.
Mas de estudante com um futuro profissional promissor a depressiva com ideias
suicidas é um passo. O que teria dado errado?
“A Redoma de Vidro” é um daqueles
livros de que todo mundo já ouviu falar, envolto em uma aura de clássico/cult
que às vezes acaba afugentando possíveis leitores. Eu, pelo menos, evitei
durante muito tempo a leitura, porque diziam ser pesada ao extremo, porque
tinha a ver com o mito Sylvia Plath,
porque há muito da história real da escritora nessa sua ficção. Eis que agora
em março o título foi escolhido para inaugurar o clube #LeiaMulheres. Decidi que era hora de deixar o receio de lado e
encarar a história.
Confesso
que o início da narrativa foi bem diferente do que eu havia imaginado. Depois
de tanto ouvir que era uma história depressiva e sombria, eu esperava encontrar
tragédias logo de cara. Não foi nada disso. Os capítulos iniciais, que se
passam em Nova York ,
durante o estágio de verão de Esther, são bem agitados, com festas e eventos o
tempo todo. A protagonista tem um senso de humor peculiar e faz comentários
ácidos sobre tudo, julgando sem dó a futilidade daquele universo glamoroso de
desfiles de moda, sessões de foto, dicas de cabelo e maquiagem e brindes de
patrocinadores.
Na
verdade, em certos momentos, achei que Esther fosse a versão feminina do Holden Caulfield, de “O Apanhador no Campo de Centeio”: uma
jovem entediada que critica todos a sua volta, que tem várias oportunidades
diante de si, mas não escolhe nada, uma garota que quer ser diferente de tudo o
que conhece, mas não toma nenhuma atitude para isso. Tirando o fato de Holden
ser de família rica, o resto era bem semelhante. Aliás, o dinheiro é uma diferença
importante entre eles, pois ele podia se dar ao luxo de vagabundear pelo mundo
com um futuro garantido; ela precisava de uma profissão para se sustentar ou,
pelo menos, de um bom marido. E é aí que comecei a notar as nuances da trama.
Quando
o estágio termina, Esther volta para casa e fica sabendo que não fora aceita em
um curso de escrita, que é o que de fato queria fazer. Decepcionada, passa uns
dias largada. Até aí, normal. Só que a tristeza da rejeição se une à falta de
perspectiva, à pressão da mãe que queria que ela fizesse um curso técnico para
poder trabalhar logo, a frustração amorosa, a constatação de que sua profissão
não teria importância nenhuma, pois seu destino provavelmente seria casar,
botar filhos no mundo e cuidar da casa. Essas coisas são motivo para depressão?
Talvez para mim e para você, não, mas no caso de Esther formaram uma mistura
explosiva. Como alguém comentou na discussão do #LeiaMulheres, os sinais da
doença já estavam ali desde o período em Nova York , mas foram facilmente confundidos com
preguiça, tédio e reclamações de adolescente.
E é
justamente esse o ponto forte do livro. Não conseguimos definir com exatidão o
momento em que o desânimo da protagonista deixa de ser normal e começa a se
transformar em condição psiquiátrica. Assim como na vida real, a depressão é uma doença
traiçoeira que se infiltra discretamente e arrasa com a vida de seu portador e
também daqueles que o cercam. Só sei que em um momento o leitor está ali com a
protagonista, enchendo a cara em baladas nova-iorquinas, e no seguinte está
largado com ela no sofá, sem comer e sem tomar banho há semanas. E é só piscar
e já está levando choques com Esther no hospital psiquiátrico. Assustador.
Embora
o assunto do livro seja delicado e pesado, a leitura fluiu sem problema. A
escrita da autora é simples e envolvente e, como eu disse, nos coloca bem ao
lado da personagem principal, o que nos faz viver os altos e baixos de seu
humor, suas angústias e medos, e nos faz refletir sobre o que mudou desde a
época retratada na história (anos 50) e os dias de hoje com relação às expectativas
femininas quanto a trabalho, sexo e comportamento social, bem como com relação
à doença em si e como é abordada.
"Acontece que eu não estava conduzindo nada, nem a mim mesma. Eu só pulava do meu hotel para o trabalho e para as festas, e das festas para o hotel e então de volta ao trabalho, como um bonde entorpecido. Imagino que eu deveria estar entusiasmada como a maioria das outras garotas, mas eu não conseguia me comover com nada. (Me sentia muito calma e muito vazia, do jeito que o olho de um tornado deve se sentir, movendo-se pacatamente em meio ao turbilhão que o rodeia.)"
Uma
ótima leitura que passei tempos evitando por pura bobagem. Leiam que vale a
pena!
Este livro faz parte do "Desafio Mulheres e Páginas", criado pelo blog "Elas Leram". O objetivo é ler 1 livro escrito por mulher a cada bimestre, de acordo com os temas. O tema de março/abril é Escritoras Clássicas. Queria ler algo da Sylvia Plath fazia tempo. Que bom que esse livro foi escolhido para o clube de março!
Adoro esse livro! Também achei o início do livro diferente do esperado. Vi tanta gente dizendo que o livro era super depressivo que me surpreendi com a primeira parte mais divertida.
ResponderExcluir