LIVRO:
O colecionador [Inglaterra]
Frederick
é um rapaz tímido criado pelos tios. Ele trabalha como funcionário público, e a
única coisa que lhe dá prazer na vida é colecionar borboletas. Miranda é
uma jovem talentosa que ganha uma bolsa para estudar em uma prestigiada escola
de artes em Londres.
Eles não têm nada em comum. Ela nem sabe da existência dele. Mas ele
segue os passos dela há anos e a cobiça. Ele cria fantasias com ela, mas tudo
que pode fazer é continuar a observá-la de longe. Até que, num golpe de sorte, ele
ganha na loteria. E o dinheiro, se não permite comprar tudo, pelo menos dá essa
impressão. Para Frederick, é hora de realizar um sonho. Para Miranda, o
pesadelo tem início.
“O
colecionador”, o primeiro livro do autor inglês John Fowles, foi
lançado em 1963 e, em pouco tempo, virou best-seller. O sucesso foi tão grande
que a história chegou às telas em 1965, conseguindo a proeza de levar o prêmio
de Melhor Ator (Terence Stamp) e Melhor Atriz (Samantha
Eggar) no Festival de Cannes do mesmo ano, sendo indicado em três
categorias do Oscar no ano seguinte (mas não ganhou nada). Dividido em quatro partes (sendo duas delas bem curtinhas), na primeira temos Frederick como narrador, e ficamos sabendo
brevemente de seu passado e conhecemos em detalhes sua obsessão por Miranda e
seu plano para raptá-la. Todas as suas ideias distorcidas nos são apresentadas
com a tranquilidade que só uma mente realmente deturpada consegue ter. Já na porção narrada por Miranda, temos acesso aos pensamentos dela, às suas angústias, medos e reflexões sobre a vida.
Começo
dizendo que a estrutura do livro não me agradou. O fato de ficar sabendo de
tudo que aconteceu primeiro pela ótica de Frederick, e só muito depois pela
perspectiva de Miranda, enfraquece a parte da moça. Acho que se tivessem intercalado a narrativa dele com a dela teria
sido mais interessante. No entanto, não foi só a forma que me incomodou: o
desenvolvimento dos personagens também é bastante diferente.
Enquanto
Frederick é instigante como ser ficcional (embora obviamente seja repulsivo em
suas ações), Miranda é sempre apresentada como a mulher idealizada, mesmo
quando é ela quem conta a história. Vê-la retratada como uma moça bela,
inteligente, delicada e tudo mais que um homem poderia esperar de uma pretendente
quando Frederick está com a palavra faz todo sentido, mas perceber que ela
continua sendo pintada como uma garota frívola e arrogante mesmo quando
registra seus pensamentos no diário é bem irritante. Uma certa dose de
romantismo e ingenuidade até seria compreensivel, afinal ela acabou de sair da adolescência, mas
fazer com que uma mulher aprisionada (e evidentemente aterrorizada) fique
devaneando sobre sua relação romântica com um cara mais velho não me convenceu.
Percebe-se logo que o autor, apesar de não agir feito seu
personagem psicótico (assim espero!), ainda reproduzia boa dose das ideias pré-concebidas
a respeito do comportamento feminino.
Os
devaneios de Miranda, se servem para alguma coisa, é para o autor falar
brevemente sobre diferenças sociais e sobre arte. Frederick supostamente ama o
belo (suas borboletas e Miranda), mas na realidade admira apenas a
representação da beleza: seus espécimes mortos colocados em molduras e uma moça
em quem ele projetou tudo que esperava que ela fosse. Ao notar que Miranda não
era um exemplar raro (como aqueles que ele mesmo havia produzido), ele passa a
desprezá-la e a humilhá-la. Nesse ponto, seria muito tentador e perigoso dizer que ele é um “monstro”, pois Frederick não passa de um cara comum que revela seu lado obsessivo ao ser contrariado.
Apesar
de datado em certos aspectos (no que diz respeito a comportamentos sociais,
principalmente) e da personagem feminina mal desenvolvida, o livro é tenso e
empolgante na maior parte do tempo. Dá para entender porque virou sucesso de
vendas e é lido até hoje. Recomendo muito.
“E,
apesar daqueles preparativos, eu nunca pensara durante todo esse tempo que a
coisa fosse a sério. Já sei que isso poderá parecer muito estranho, mas é
verdade. Eu costumava dizer, falando comigo mesmo, que nunca realizaria aquele
projeto; que era tudo simulação. E eu nunca teria tido aquela ideia, se não
fosse todo o tempo e o dinheiro de que dispunha. Na minha opinião, muitas
pessoas que poderão parecer felizes agora, teriam feito o mesmo que eu fiz, ou
coisas semelhantes, se lhes fossem dados o tempo e o dinheiro para o fazerem.
Quero dizer, fazer as coisas que desejam, embora sabendo que não as deviam
fazer. Um antigo professor meu dizia sempre que o poder corrompe. E o dinheiro
é poder.”
Nota:
4/5
Aproveito para linkar aqui o post da Michelle (do The Feminist Horror) e da Jéssica (do Fright Like a Girl) sobre o livro. Foi graças a elas que me animei a tirar esse livro da estante. :)
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FILME:
O colecionador [Estados Unidos]
No
geral, o filme é bem parecido com o livro. Todos os devaneios românticos e os
momentos intelectualoides que faziam parte dos diários de Miranda (e que me
irritaram durante a leitura) felizmente foram limados da adaptação, assim como o
histórico familiar de Frederick.
Um
dos grandes acertos foi escolher um ator bonito e franzino para interpretar
Frederick. Ele é uma espécie de Norman Bates (o do filme e o da série): um
rapaz retraído que não sabe lidar com mulheres e que não oferece perigo (pelo
menos à primeira vista). Até conseguimos sentir certa pena dele (ou
conseguiríamos, se ele já não começasse tudo errado raptando a pobre Miranda).
Algo
que me incomodou enquanto eu assistia ao filme foi a trilha sonora, que parecia
forçar um clima romântico onde obviamente não havia romance algum. Foi
realmente estranho a princípio, mas então me toquei que quem narra a história é
Frederick e que, portanto, é a visão distorcida dele que temos na tela – tudo
encaixou perfeitamente.
A
única parte de que realmente senti falta foi a sessão de fotos degradantes a
que Frederick submete Miranda quando finalmente percebe que ela não era aquela
garota que ele idealizava, e que, como prisioneira, estava disposta a qualquer
coisa para conseguir a liberdade. Não que faça grande diferença na história,
mas deixava mais evidente a violência de Frederick que irrompe quando ele tem
suas expectativas frustradas. De todo modo, é um ótimo filme.
>> A Versátil lançou recentemente um box de filmes intitulado Literatura no Cinema: John Fowles, e "O colecionador" é um dos filmes da caixa.
Trailer
legendado:
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Obrigada pelo comentário!
Respondo todos por aqui mesmo, OK?
Pode demorar um pouquinho, mas não deixo de responder ;)