“Ela
me dava a mão e eu não precisava de mais nada. Bastava isso para que eu me
sentisse bem acolhido. Mais do que beijá-la, mais do que nos deitarmos juntos,
mais do que qualquer outra coisa, ela me dava a mão, e isso era amor.”
Martín
Santomé é um homem de cinquenta anos, viúvo desde os trinta. Tem três filhos,
mas não sente afinidade por nenhum. Realiza um trabalho burocrático e está
prestes a se aposentar. Até que a monotonia dos seus dias cinzentos é quebrada
pela chegada da nova funcionária da repartição, Laura Avellaneda. E de repente
Martín ganha um novo propósito na vida.
Apesar
da diferença de idade (Laura tem a idade dos filhos de Martín), os dois
personagens são muito parecidos quanto à personalidade: ambos são pacatos,
tímidos, solitários e seguem seus dias sem grandes emoções, sem grandes planos.
Quando percebe que está interessado na moça, Martín tem sentimentos
conflitantes. Se, por um lado, se sente vivo outra vez, por outro, teme fazer
papel de tolo diante da jovem que certamente gostaria de ter experiências que
talvez ele não possa mais oferecer. Mesmo assim, ele se enche de coragem e vai
falar com ela. Para sua surpresa, Laura o aceita. E faz propostas que ele nem
imaginava que ela pudesse cogitar. E eles vivem um amor tranquilo enquanto dura
a trégua.
A
estrutura de diário da história serve muito bem às questões íntimas e
universalmente humanas que o autor se propõe a apresentar. Uma das partes que
mais me agradaram foi a reflexão sobre memória. No início, Martín comparava
Laura à sua falecida esposa, Isabel. Protegida pelo véu das lembranças, Isabel
reinava absoluta, inatingível. Era mais bonita, tinha o temperamento ideal, seu
corpo se encaixava perfeitamente no dele. Com o passar do tempo, e conforme seu
relacionamento com Laura avança, Martín se dá conta de que talvez a ex-esposa
não fosse tão bela assim, de que a intimidade que ele julgava ter com ela não
era real, de que ele mal a conhecia, na verdade. E o contato físico com Laura,
além de destruir suas fantasias de um passado perfeito, o fazem tomar
consciência do seu corpo atual, já sem todo o vigor de outrora. Mas, apesar da
insegurança inicial, ele enfim se tranquiliza, porque ela não teria como
compará-lo com uma versão mais jovem de si mesmo, e, por fim, acaba se dando
por satisfeito, porque acredita agora ser uma pessoa melhor do que antes.
Os
filhos são outro ponto interessante. Com um deles as interações são sempre
conflituosas. Com outro, a relação é abalada por preconceitos. E com a filha as
conversas parecem fluir melhor. No entanto, são 3 estranhos com quem Martín por
acaso tem uma ligação sanguínea, e nada mais. Ainda assim, ele receia revelar a
eles o seu novo relacionamento. E se eles se sentissem ofendidos por ele não
estar respeitando a memória da mãe morta? E se o achassem ridículo por namorar uma
pessoa tão mais nova? Incrível como nós, seres humanos, queremos sempre a
aprovação dos outros. Mesmo que esses outros nem nos conheçam direito. E como
sofremos com isso.
Aqui
vale uma observação: embora eu tenha gostado muito da história pela forma como
trata de dúvidas e sentimentos universais, e tenha torcido pela felicidade do
casal, não dá para não pensar “E se fosse o contrário?”. Com certeza, se fosse
uma mulher mais velha a se apaixonar por um rapaz a história se desenvolveria
de outro modo. Mulheres são vistas sempre como reprodutoras e cuidadoras apenas. A
própria forma como a solteirice é tratada depende do sexo da pessoa em questão. Como a própria
Laura explica a Martín a certa altura:
“Para
vocês, é muito diferente. Compare, se quiser, o caso de uma solteirona e o de
um solteirão, que aparentemente poderiam ser encarados como parentes afins,
como dois frustrados paralelos. Quais são as reações de uma e de outro? (...)
Enquanto a solteirona se torna mal-humorada, cada vez menos feminina, maníaca,
histérica, incompleta, o solteirão se volta para o exterior, torna-se
esfuziante, ruidoso, velho saliente. Os dois padecem de solidão, mas para o
solteirão isso é só um problema de assistência doméstica, de cama individual;
para a solteirona, a solidão é uma paulada na nuca”.
E é
isso. Gostei bastante da história, mas já estou um pouco cansada das tramas em
que o cara bem mais velho fica com a mocinha. Sim, isso acontece. Não tem
problema nenhum. Mas ultimamente quero ler outras coisas, sabe? Acho que por
isso não fui arrebatada por esse livro. De todo modo, recomendo a leitura.
Esta foi mais uma leitura que dividi com a Lulu. Passem lá no blog dela para ver o que ela achou ;)
Nota: 3,5/5
Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Uruguai]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.
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Oi Mi!
ResponderExcluirEu gostei muito deste livro
Entendo e concordo com suas observações, embora ache que estamos avançando...aos poucos e a passos lentos, mas melhor que antes, com certeza
Bom demais ver posts novos aqui neste cantinho que eu adoro!
Vou acompanhar sua viagem
Beijos
Claudia
Oi, Clau.
ResponderExcluirOlha, tem dias que acho que estamos avançando; tem dias que acho que só andamos para trás. Em todo caso, é uma história bonita por tratar de duas pessoas solitárias que se encontram e vivem bons momentos juntas (ainda que brevemente).
Beijo!
Olá! Faz um bom tempo que li esse livro. Quase dez anos. Lembro que o texto me impacto muito. Achei-o muito bem escrito, equilibrado, sóbrio e, ainda assim, intimista. Também gostei muito do sentido do título, do que foi essa trégua no livro.
ResponderExcluirCheguei a este blog pela resenha de um livro de Charles Dickens e encontrei está resenha. Obrigado!