São
Paulo, anos 70. Num pensionato para moças, três universitárias tão díspares
quanto possível narram suas venturas e desventuras amorosas, sexuais e
políticas, entrelaçando suas vozes e compondo um retrato da sociedade
brasileira da época. Publicado em 1973, no auge da ditadura militar, o romance
usa forma e estilo apurados para contar uma história simples e envolver o
leitor na vida dessas garotas. O texto é importante não só por ser um registro
ficcional de um período histórico, mas também porque reproduz em seus
personagens comportamentos e mentalidades que nos moldaram de alguma maneira e
que pautam as relações interpessoais neste país ainda nos dias de hoje.
Lorena
é a burguesa sonhadora e cheia de aspirações artísticas, mas que coloca sua
vida em suspensão enquanto espera indefinidamente pela chegada de seu príncipe
encantado (casado) e fantasia sobre sua primeira relação sexual – e nesse
processo deixa passar oportunidades de realmente viver tais experiências com
garotos de sua idade. Ana Clara é a moça linda de origem humilde que busca uma
carreira glamorosa de modelo enquanto se afunda cada vez mais nas drogas, com o
apoio do namorado traficante. Completando o trio temos Lia, a mais ‘pé no chão’
das amigas, militante da esquerda que tenta dar um jeito de reencontrar o
namorado preso.
A
escrita de Lygia mistura primeira e terceira pessoa e entrelaça as vozes das
meninas, mas é bem fácil identificar cada uma delas, pois suas personalidades
são bem definidas e únicas. Todas elas são críveis, com suas qualidades e
defeitos, e representam bem as classes sociais a que pertencem e seus
respectivos dilemas (Lorena é apegada aos valores tradicionais e às aparências
e reprimida sexualmente; Ana Clara sofre por não ter o nome do pai em seu RG , por ter um sobrenome
de pobre que não condiz com seus sonhos de fama e tem um passado de abusos que
meio que a empurra para as drogas numa tentativa de fugir da realidade; Lia vem
de uma família bem estruturada e de mente mais aberta que tem um nível
econômico mediano, então já superou os dramas adolescentes relacionados a amor
e sexo e se preocupa mais com a situação política e com o futuro – seu e do
país).
Embora
eu tenha adorado a escrita e a forma como cada personagem foi desenvolvida,
confesso que a amizade entre as meninas me pareceu extremamente improvável.
Sim, elas servem como representação de determinadas categorias de pessoas, mas
não consegui deixar de pensar que no mundo real elas jamais conseguiriam se
relacionar. Ainda no campo da falta de verosimilhança, o final do livro me
incomodou bastante. É claro que é ficção e que é possível relevar certas ações
‘forçadas’, mas neste caso fiquei com a sensação de que aquele foi um
encerramento do tipo ‘não sei o que fazer com essas personagens agora e preciso
terminar logo’.
De
todo modo, foi uma leitura que adorei fazer e que tem, sim, uma enorme
relevância para a literatura brasileira. Continuo preferindo a Lygia dos
contos, mas gostei de ver seu desempenho em um romance.
Esta
foi mais uma leitura que fiz em conjunto com minha parça Lulu (obrigada por
mais esta experiência, amiga!). Recomendo muitíssimo que passem por lá para ver
a resenha dela (nossas impressões foram bem distintas!) ;)
“A
escada de caracol é escura. Alguém tosse meio sufocado. Levanto até as orelhas
a gola do pulôver. Pedro vai sentir frio com minha malha mas pode tomar uma
média e amanhã vai olhar a namorada de frente, ô, Miguel, como preciso de você.
Como esse menino precisou de mim. Quem sabe um dia ainda vou escrever bem. Se
isso acontecer. Tenho pensado num diário, diário deve ser mais simples, uma coisa
assim despojada, a Lorena me aconselha a escrever despojado, me acha barroca.
Sou barroca por dentro e por fora, é isso, Miguel? Um diário honesto. Enxuto,
contando meu trabalho sem glória, sem nada. Até ser presa e morrer obscura,
apenas com o nome que escolhi. Rosa. Preciso urgente de ar que estou me
comovendo. Abro a porta do edifício e uma rajada de chuva e vento me bate na
cara, a chuva vem em
rajadas. Rajada não é uma palavra boa mas de trás para
diante: adajar? Rosa levou uma adajar no peito fica menos grave. Corro até a
esquina, chegamos juntos, Bugre e eu. O carro é da cor da noite.”
Nota: 4/5
Ótimas impressões! Bem observado, seria difícil moças de classes tão distintas serem amigas… Mas mais difícil ainda por não compartilharem nada em comum (*eu, pelo menos, não notei*). Quanto ao final, concordo com sua opinião.
ResponderExcluirPois é, nossas impressões foram distintas, mas quanto a conversa ambas concordam que foi ótima (^_~).
Mi, é sempre um prazer realizar leitura compartilhada contigo. Afinal, a troca de impressões são elementos que enriquecem nossa leitura; e também por ser divertido (^_^). Gostei do “parça” (*-* ~ estou me achando, hahaha).
Beijos, Michelle!
Lulu,
ResponderExcluirSe não morassem no mesmo pensionato, imagino que elas jamais de falassem. E, como sempre, foi ótimo ter sua companhia em mais uma leitura!