terça-feira, 10 de março de 2015

Resenha: Olhe nos Meus Olhos


John Elder Robison passou a infância, a adolescência e parte de sua vida adulta tentando se encaixar em um mundo que não compreendia. Coisas que para ele eram tão normais e óbvias – como fazer tudo de um jeito específico e invariável, não aceitar contradições, dizer sempre o que vier à cabeça, ficar olhando fixamente para o chão ou para um ponto no infinito durante as conversas, ser fascinado por mecanismos em geral – pareciam não ser bem vistas por outras pessoas. Só aos 40 anos de idade ele foi diagnosticado como Síndrome de Asperger, uma forma leve de autismo, em uma época em que pouco se sabia sobre essa condição. Em sua autobiografia, ele fala com simplicidade e leveza sobre as dificuldades que enfrentou por causa da doença e de outras ainda piores que teve que encarar graças à sua família disfuncional.

John Elder é o filho mais velho de um casal problemático: a mãe era esquizofrênica e o pai oscilava entre a depressão e a violência provocada pela bebida. Com todos os problemas domésticos que enfrentavam e com o pouco conhecimento que se tinha sobre Asperger, John era visto apenas como um garoto estranho. Seu comportamento peculiar era considerado esquisitice, teimosia, falta de educação, e o diagnóstico dos psiquiatras variava entre depressão, esquizofrenia ou múltiplas doenças mentais. O fato é que sua falta de habilidades sociais causou muita dor e frustração a John.

Em uma das cenas que o autor descreve logo no início do livro, ele tenta fazer amizade na escola com uma garotinha, mas dá tudo errado porque ela “não sabia como brincar”. Em seu mundo particular, John só concebia uma forma de brincar (a dele, claro) e ver outra pessoa tentando fazer as coisas de outro modo era inaceitável. Mais adiante, ele relata uma vez em que alguém lhe conta que fulano havia morrido e, em resposta, ele abre um enorme sorriso (que deixou o interlocutor chocado com tamanha insensibilidade). O raciocínio lógico de John era: que bom que foi fulano, e não eu, meu irmão ou meus pais.

O exemplo perfeito desse tipo de comportamento que me veio à cabeça enquanto eu lia é o personagem Sheldon, da série 'The Big Bang Theory': alguém que é extremamente inteligente, mas não entende ironia e sarcasmo, que é incapaz de mentir e que não gosta de variações em sua rotina. O que é muito engraçado em uma série de ficção pode não ser algo tão simples de lidar na realidade.

O que mais me agradou no livro é a forma como o autor nos apresenta suas memórias. Ele sabe dosar muito bem as informações sobre a doença, os problemas familiares, as dificuldades que teve e ainda tem para se ajustar e histórias maravilhosas que viveu, incluindo as brincadeiras e experiências não muito saudáveis a que submeteu o irmão mais novo, a descoberta de seu incrível talento para criar efeitos sonoros e pirotécnicos que o levou a trabalhar para o KISS e sua trajetória profissional até entender o que realmente o fazia feliz. John consegue informar sem ser chato, fazer rir sem ser forçado e emocionar sem ser piegas.

Eu já conhecia a história dos Robison do filme “Correndo com tesouras” – os fatos ali mostrados são tão absurdos que parecem saídos da mente de um diretor chapado, mas, infelizmente, aconteceram mesmo. Em “Olhe nos meus olhos” o autor fala apenas superficialmente de sua família, mas já dá para ver o quanto eram perturbados e como isso afetou sua vida, bem como a de seu irmão, Augusten Borroughs, que, aliás, escreveu o livro que deu origem ao filme e estimulou John a escrever sua própria biografia. Nem preciso dizer que quero ler o livro do irmão o quanto antes.

"Muitas pessoas com Asperger têm afinidades com máquinas. Às vezes, eu acho que podemos nos relacionar melhor com uma máquina do que com uma pessoa. Talvez porque possamos controlá-las, nós não interagimos com elas como seres iguais. Elas são previsíveis. Elas não me enganam e nunca são sacanas”.

Intrigante, informativo, divertido, emocionante... Recomendo muitíssimo a leitura.


Mais uma leitura proporcionada pelo Livro Viajante do Skoob.



Um comentário:

Lígia disse...

Me interesso bastante pela síndrome de Asperger desde que li "O estranho caso do cachorro morto". A trajetória de vida do John parece ser fascinante, quero ler esse livro. :)