A
narradora de “A Vida em Tons de Cinza”
é Lina Vilkas, uma adolescente de 15
anos que é inteligente, tem uma habilidade artística incrível e vive com uma
família amorosa, mas que vê sua vida perfeita desmoronar quando é arrancada de casa numa madrugada de 1941 e enfiada à força, junto com a mãe e o irmão de
10 anos, em um trem abarrotado que ruma para um lugar distante e desconhecido.
É através de seus olhos (e de seus desenhos para o pai levado para outro lugar)
que conhecemos os horrores vividos pelos povos bálticos durante a ditadura de
Stalin, que dizimou um terço da população da Lituânia, da Letônia e da Estônia.
Embora
seja um romance ficcional, os personagens foram inspirados em pessoas de carne
e osso e a história contada é baseada nos horrores reais vividos por nativos dos três países citados que foram enviados para campos de trabalhos forçados na
Sibéria. A autora é filha de um lituano refugiado e viajou ao país natal de seu
pai para conversar com sobreviventes e conhecer os lugares que contam uma
história de muito sofrimento e de morte, mas também de orgulho, de união e de
força. Enquanto o mundo todo voltava os olhos para Hitler e para os países
europeus sob seu domínio, os povos bálticos também sofriam, mas sem ganharem a
devida atenção. Foram obrigados a viver com medo durante os cinquenta anos em
que foram anexados à ex-União Soviética, sendo capazes de respirar livremente
só em 1990, quando enfim conseguiram a independência.
Como
toda história de guerra, esta é uma história triste, de maus tratos,
humilhações, fome e morte. É também, lógico, uma narrativa de superação e
esperança, que mostra os anônimos que se destacam da massa por sua postura
diferenciada, pelo amor ao próximo, pela dignidade de suas ações. O encanto do
livro é conseguir mostrar as atrocidades de um jeito leve e até engraçado em
alguns trechos, conforme Lina vai falando dos horrores que enfrenta durante a
invasão de sua casa, o transporte de caminhão e trem, a chegada ao campo de
trabalhos forçados, o frio inclemente, e misturando com fragmentos de sua vida
anterior à guerra: as paixões juvenis, sua vontade de viver de arte, as
conversas com a prima.
No
núcleo de personagens principais temos a mãe
de Lina, que tem um papel importante para os prisioneiros, já que é uma das
únicas que sabe falar russo; Jonas,
irmão mais novo de Lina, que tem um grande coração e uma força incrível, e cujo
amadurecimento pode ser percebido durante a narrativa; Andrius, rapaz pouco mais velho que Lina que se junta a ela e ao
irmão nas aventuras juvenis, e que se transforma em interesse romântico da
narradora; a própria Lina, que é
muito bem caracterizada como adolescente, alternando momentos de egoísmo e
futilidade com outros de extremo desprendimento e maturidade.
Além
desses, um outro personagem de que gostei muito é o soldado soviético Kretzsky, cujo comportamento é sempre
dúbio e que acaba virando alvo de toda a ira e desprezo de Lina, mas que a
desarma ao contar a história de sua vida. Nesse livro, tudo é cinza: as
paisagens desoladas e frias, as pessoas que adoeciam e morriam de inanição e, o
mais legal, a natureza das pessoas – ninguém é perfeito, completamente bom ou
totalmente ruim; todos têm nuances e mostram faces diferentes, dependendo da
situação. Achei isso muito bacana, pois a autora evitou a armadilha de apontar
apenas um culpado e considerar que todos os refugiados eram santos, bem como de
insinuar que todos os soldados eram crápulas.
"Vocês já pensaram em quanto vale a vida de uma pessoa? Naquela manhã, a vida do meu irmão custou um relógio de bolso."
2 comentários:
Já estive para comprar este livro várias vezes.
amulherqueamalivros
Mi, acreditas que tinha e doei esse livro sem ler? Achei que era mais uma história de guerra e não estava nessa vibe. Se soubesse que tinha essa voz despojada teria olhado pra ele com outros olhos. Tô me sentindo bem imbecil agora, rs.
P.S.: blog novo! blogamarelo.com
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