Ryan Reynolds (um ator para quem sempre
torci o nariz) vestindo um macacão rosa e segurando um serrote ensaguentado na
companhia de um cachorro e de um gato. Uma sinopse que desanima ao dizer que o
protagonista é um bonitão que atrai as garotas e as mata a mando do felino. Essa combinação de fatores tinha tudo para me fazer passar longe desse filme.
No entanto, uma amiga chamou minha atenção para o nome da diretora no cartaz: Marjane Satrapi. Para mim, isso não
fazia nenhum sentido, mas é claro que fiquei curiosa. Resolvi dar uma chance à
produção, e descobri um filme ótimo que começa como uma comédia romântica, se
transforma em humor negro em determinado momento, e por fim se revela um drama
delicado sobre uma pessoa que sofre de esquizofrenia.
Jerry (Ryan
Reynolds) é um cara boa pinta, tímido e solitário. Logo ficamos sabendo
que ele começou no trabalho há pouco tempo e que está ali tentando uma
ressocialização. Seus únicos amigos têm quatro patas: Bosco, o típico cachorro grandalhão efusivo e carente; e Sr. Bigodes, o clássico gato
independente e com ar de superioridade.
Um
dia, na festa da firma, Jerry é escalado para ajudar na organização, e então se
apaixona por Fiona (Gemma Arterton) da contabilidade. Ela faz o tipo voluptuosa
que não quer nada com o moço, mas se aproveita do interesse dele. Por outro
lado, Lisa (Anna Kendrick) é quem tem uma quedinha pelo rapaz, mas ela é
uma moça insegura. Há também Alison (Ella Smith), que fica só observando
o triângulo amoroso prestes a se formar.
Com
essa base da trama armada, é fácil deduzir que o filme seguirá o caminho previsível de uma comédia romântica. Mas então Fiona é morta por Jerry. E
tudo muda de figura. O clima descontraído se desfaz. As atitudes bizarras do
protagonista criam situações morbidamente engraçadas. E o filme cresce quando
percebemos que, até aquele momento, estávamos enxergando o mundo pelos olhos de
Jerry. E que o fato de ele conversar com seus animais de estimação (que seria
normal se os animais não respondessem) era apenas mais um indício do assunto
principal do filme: a esquizofrenia. Desse ponto em diante, vemos as coisas
pela ótica distorcida de Jerry e também como as coisas realmente são – é como
se estivéssemos dentro da cabeça do moço, que não consegue distinguir o que é real
do que é imaginação.
Adorei
a forma como a diretora escolheu contar a história, começando com um tom leve e
de repente surpreendendo o espectador com uma reviravolta depois de alguns
minutos. O que era engraçado passa a ser assustador e, mais tarde, angustiante
e triste, ao notarmos a realidade do que Jerry vivia. Um flashback mostra o
protagonista ainda criança e a situação traumática que ele enfrentou naquela
ocasião. As coisas começam a se encaixar e é impossível não torcer pela
recuperação dele.
Mas
a pergunta que não queria calar era: Por que Marjane Satrapi resolver fazer
esse filme? Uma autora/diretora que ganhou fama por falar dos problemas de sua
terra natal, o Irã, usando quadrinhos e animação como linguagem, dirigindo um
filme americano aparentemente boboca não fazia sentido para mim. E então descobri. Nesta entrevista ao The Guardian, ela diz
que sua intenção era, justamente, tentar algo novo, não ficar presa a um só
estilo e a um só assunto. Diz ainda que Ryan Reynolds é um ator excelente e que
contribuiu com várias ideias para o filme. Quem diria!
Por
abordar a esquizofrenia de um jeito delicado em um filme que consegue ser
engraçado e triste ao mesmo tempo, recomendo “As Vozes”. Como bônus, menciono ainda os animais falantes
foférrimos e o fato de ter me ajudado a quebrar meu preconceito com relação ao
Ryan Reynolds.
Nota:
4/5
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Sobre
a diretora:
Marjane Satrapi é uma escritora,
desenhista, ilustradora, roteirista e diretora de cinema nascida em 1969 no
Irã. Ficou mundialmente famosa com seu quadrinho (posteriormente transformado
em animação) 'Persépolis', indicado
ao Oscar 2008 na categoria de Melhor Animação (ela foi a primeira mulher
indicada nessa categoria). Também é autora/diretora de ‘Frango com Ameixas’.
Este post faz parte do projeto Veja Mais Mulheres, criado pela Cláudia Oliveira. Para ver o post de apresentação que inclui minha lista de filmes e os links para as respectivas postagens, clique AQUI.
2 comentários:
Não conhecia esse filme. Parece ser estranho (de um jeito bom) e me deixou curiosa para conhecer esse outro lado da Marjane.
Lígia,
"Estranho" é pouco... hahaha.
Mas gostei justamente porque foge ao esperado.
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