quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Resenha: Pseudônimo Mr. Queen


Vinte e um de dezembro de 2012, suposta data do fim do mundo, de acordo com uma previsão maia. Em 'Pseudônimo Mr. Queen' o mundo terminou mesmo, mas não com uma catástrofe natural que impossibilitaria que homens e animais continuassem vivendo, e sim com uma reconfiguração: a maior parte da população mundial simplesmente desapareceu sem deixar vestígio e as cidades foram mudando aos poucos, com o sumiço gradual das construções e dos bens materiais. As pessoas agora precisavam se ajustar às novas regras de existência, que lhes eram informadas em sonho: todos teriam 2 vidas, sendo a primeira até os 70 anos e a segunda dos 20 aos 100, sem um segundo a mais ou a menos. Na nova sociedade não haveria desigualdade social, nem dinheiro, nem doenças – tudo perfeito. Pelo menos aparentemente.

Deixa eu começar dizendo que li o livro a convite da autora, Loraine Pivatto, que foi supersimpática e me mandou mensagem no Skoob perguntando se eu queria participar do book tour que ela estava organizando. Ultimamente, tenho evitado leituras nesse esquema porque meu cronograma de trabalho está totalmente maluco, mas me interessei pela sinopse e botei meu nome na lista. Alguns meses depois, o livro chegou aqui em casa e comecei a ler.

O livro é dividido em três partes, e em cada uma delas a protagonista é uma mulher da família Brandão: Regina, Larissa e Vitória, respectivamente avó, mãe e neta, ou seja, três gerações e suas experiências nessa sociedade reconfigurada. Pessoalmente, me conectei mais com Regina e com os dramas vividos pelas pessoas que fizeram a transição do mundo antigo para o novo, talvez porque seja mais fácil imaginar o que elas sentiram ao acordar sem saber onde estavam, sem ter ideia do que havia acontecido, desesperadas para encontrar amigos e familiares, vendo o entorno se modificar, perdendo grande parte do que as definiam (emprego, casa, estilo de vida), tendo que se ajustar a novas regras que nem mesmo entendiam direito.

Na verdade, a parte inicial me lembrou bastante 'Os deixados para trás', livro que adoro e que virou a série de TV 'The leftovers', igualmente maravilhosa, que também trata do sumiço inexplicável de grande parte das pessoas do planeta numa espécie de Arrebatamento. No entanto, no livro da Loraine, alguns escolhidos não estavam totalmente no escuro: eles conheciam o segredo da morte. Lembram que eu disse que ninguém podia viver um segundo a mais nem a menos? Então... a impossibilidade de morrer prematuramente pode ser vista como uma bênção, mas não para todos. Algumas pessoas simplesmente não se adaptaram à nova forma de vida e se sentiam deslocadas o tempo todo, tentando, sem sucesso, o suicídio. Uma alternativa para essas pessoas era se refugiar nos ‘gavetões do sossego’, um recurso oferecido pelo governo que permitia às pessoas decidir por quantos anos queriam ficar ‘desligadas’ em um sono profundo. Achei a ideia bem original.

Como sempre acontece, até as coisas mais incríveis e as melhores invenções uma hora começam a revelar um lado ruim ou a serem usadas de um jeito equivocado. A nova sociedade parecia perfeita, mas era composta por seres humanos, ou seja, é claro que ia desandar... Embora não houvesse dinheiro para criar diferenças sociais, logo surgiu um esquema de classificação dos indivíduos de acordo com as funções que realizavam e com a importância atribuída a elas pelos outros membros da comunidade. Começavam então as diferenciações, e aos poucos foram aumentando as disputas e insanidades que as pessoas fazem para ter um status profissional (e depois social) maior. Toda essa loucura de competição é alimentada por um tal de Happiness Book, nada mais que nossa boa e velha rede social com toques de Black Mirror. Mais um ponto positivo para a autora por criticar o culto à futilidade e à ambição.

Foram esses os assuntos da trama que mais me interessaram. Embora eu tenha iniciado a leitura pensando que se trataria de uma ficção científica, os aspectos tecnológicos e a explicação do que causara o sumiço das pessoas e a mudança do universo (alienígenas, efeitos químicos, intervenção divina) tiveram menos importância do que o aspecto humano. Para mim, é uma história sobre segundas chances e recomeços. Aliás, a profecia maia nunca foi de destruição do mundo, e sim de encerramento de um novo ciclo para o início de outro (e é disso que o livro fala). Mas a humanidade tem um senso (auto)destrutivo impressionante. Já estragou tudo uma vez e quando tem a possibilidade de recomeçar do zero, de fazer as coisas de um jeito novo, de se reinventar, de corrigir os erros (principalmente porque nessa nova sociedade as pessoas levam suas memórias da primeira vida para a segunda - não seria ótimo poder tentar novamente sem cometer os mesmos deslizes?) continua exibindo o mesmo comportamento destruidor. 

Por que três estrelas então? Porque achei que havia personagens em excesso e que ficou muito corrido acompanhar a vida de três gerações em quatrocentas páginas - em certo momento deixei de me importar com eles. Outra coisa que me incomodou demais foram as relações nocivas entre as personagens femininas – todas são de disputa, de inveja, destrutivas. É claro que existem algumas assim, mas em três gerações só esse tipo ser apresentado é muito problemático e só reforça esse estereótipo. Alguns diálogos soaram um pouco artificiais também.

De resto, só quero agradecer à Loraine pelo convite e parabenizá-la pelo trabalho e pela iniciativa de fazer a tiragem dos exemplares de modo independente e de circular a história por meio de book tour. Ah, o e-book está à venda na Amazon. Acredito que com uma boa edição e uns poucos ajustes 'Pseudônimo Mr. Queen' ficará redondinho. Sucesso e que venham os próximos!

“Pelo menos agora, com as novas regras sociais, a vida humana estava preservada. A barbárie tinha cessado. Mas os sobreviventes... Ah! Os sobreviventes continuavam os mesmos homens e mulheres da vida antiga, cheios de empáfia, arrogância e presunção. Ou talvez ainda piores.”

Nota: 3/5

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