quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Resenha: Noite em Caracas

 

Adelaida Falcón, a mãe, acaba de morrer de câncer. Adelaida Falcón, a filha, mal tem tempo de se despedir daquela que a trouxe ao mundo e que sempre foi sua única família, pois em seu destroçado país os criminosos não dão trégua nem no cemitério. Isolada em seu apartamento, a mulher tenta lidar com o luto e descobrir um modo de sobreviver ao caos reinante em Caracas, onde as ruas são terra de ninguém. Criminosos comuns, revolucionários, grupos contra e a favor do governo. Não importa. Atravessar a rua é como pisar num campo minado. Sozinha com seus pensamentos, Adelaida relembra com nostalgia de sua infância, quando a mãe a pegava pela mão e elas iam a museus e tomavam sorvete; pensa em sua carreira no jornal e no amado que já não existe mais; conta os poucos euros que ainda tem e raciona a comida; procura entender como as coisas chegaram àquele ponto. Uma noite, seu apartamento é invadido e, num momento de desespero, ela vai até o apartamento da vizinha, conhecida como “a filha da espanhola” e a encontra morta. Ao se refugiar na casa dela, reconhece naquele espaço as semelhanças da vida das Peralta com aquela que ela mesma levara com a sua mãe. E então decide que é hora de agir. Momentos de desespero pedem medidas desesperadas.

Embora a história seja ficção, a situação apresentada é bem real. Alternando entre passado e presente, a autora mostra como um país que era próspero nos anos 50 e que recebeu imigrantes de várias partes da Europa acabou se transformando numa nação em crise permanente, que expulsa não só quem chegou de longe para tentar a vida ali, mas também aqueles que nasceram em solo venezuelano. Apesar da grande tensão que é se imaginar em tal posição, o que prende mesmo é a relação entre aquelas mulheres: mães e filhas, vizinhas, tias distantes e até mesmo umas que se diziam ao lado da revolução, mas que exploravam vulneráveis. Todas lutam para existir em um ambiente que sempre as diminui, deforma e rouba suas individualidades. É o primeiro trabalho da autora. Espero que venham outros, porque gostei demais da escrita dela.

“Nunca achei que a nossa família fosse grande. A família éramos minha mãe e eu. Nossa árvore genealógica começava e terminava em nós duas. Juntas, formávamos um junco, uma espécie de planta dessas que são capazes de crescer em qualquer lugar. Éramos pequenas e venenosas, quase nervadas, para que não doesse se por acaso nos arrancassem um pedaço ou mesmo a raiz inteira. Éramos feitas para resistir. Nosso mundo se apoiava no equilíbrio que ambas fôssemos capazes de manter. O resto era algo excepcional, acrescentado, e por isso dispensável: não esperávamos ninguém, nos bastávamos uma à outra”.

Nota: 4/5


Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros[Venezuela]Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.

(Publicado no Instagram em 11 de agosto de 2021)

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