O LIVRO: BLING RING, A GANGUE DE HOLLYWOOD
Entre 2008 e 2009, um grupo de adolescentes bem nascidos realiza uma série de invasões e roubos a residências de famosos em Hollywood, levando roupas, sapatos, relógios, joias e obras de arte. O prejuízo estimado é de aproximadamente 3 milhões de dólares. Quando a história vem a público, o que todos se perguntam é: por quê? Em “Bling Ring” a jornalista Nancy Jo Sales conta a história desses jovens, montada a partir de entrevistas com os próprios membros da gangue, seus advogados, parentes, amigos, vítimas e policiais. Além disso, a autora especula sobre as influências da TV, da internet e da mídia como um todo sobre o comportamento da sociedade.
A
primeira vez que ouvi falar de “Bling Ring” era sobre o filme que seria
lançado por Sofia Coppola. Vi o cartaz,
li o título e pensei "OK, uma história de riquinhos mimados". Mas
alguma coisa não fazia sentido ali. O nome da diretora destoava no cartaz. Como
fã dos trabalhos de Sofia, eu sabia que não podia ser só isso. Devia haver uma
crítica ali, em algum lugar. Comecei então a ler a matéria do jornal. E pronto!
Interesse imediato. Era surreal demais para ser verdade. Só poderia mesmo ter
virado filme. Assim, decidi não apenas assistir à adaptação da Coppola, mas
também ler o livro para conhecer os detalhes.
O
livro é resultado do trabalho investigativo de Jo Sales, que começou com a
publicação de uma matéria sobre o grupo na revista Vanity Fair e chamou a
atenção do público. O único membro da gangue que não quis dar entrevistas foi Rachel Lee,
apontada como a “mentora” do grupo. Na maior parte do tempo, a narrativa se dá
pelo ponto de vista de Nick Prugo, melhor amigo de Rachel, considerado o
"estrategista", e que, por um erro grotesco de aconselhamento de seu
advogado, confessou os crimes sem um acordo prévio com a polícia e
acabou levando a culpa pela maioria deles.
Todos
os envolvidos nos roubos (com exceção de um segurança de boate) vinham de uma
família com boas condições financeiras, ainda que não fossem milionários. O
motivo nunca foi a falta de dinheiro, e sim o desejo de possuir o estilo de
vida glamoroso das celebridades. Ser uma celebridade, na verdade. Com a
superexposição da vida privada dos famosos em revistas e sites de fofocas,
qualquer um é capaz de saber onde essas pessoas moram, onde estarão e quando. Para os jovens
que cresceram nas abastadas regiões próximas das casas de seus alvos e se
acostumaram a ter tanta informação sobre esses estranhos, foi muito fácil se
confundir e achar que realmente conheciam essas pessoas. Eles se sentiam
íntimos de seus objetos de adoração e, ao mesmo tempo, achavam que não tinha
problema algum em ir até a casa deles e pegar o que quisessem, já que os famosos nem sabem ao certo tudo o que têm. Uma visão distorcida e tanto!
Em
sua busca pelos motivos que levaram a gangue a roubar os famosos, a autora
aponta várias coisas que podem ter afetado os garotos, mas, obviamente, é
impossível determinar uma única causa. No entanto, é inegável que a internet e
a falsa sensação de “fama” criada por ela têm um papel importante. A mudança de valores da
sociedade ao longo dos anos também dá uma pista do que pode ter contribuído
para a visão deturpada dos adolescentes: egocentrismo, busca pela juventude
eterna, a constatação de que para ser famoso não é preciso ter um talento em especial - basta saber
fazer um bom marketing pessoal, os jovens não querem mais mudar o sistema, e
sim dominá-lo (ou seja, ganhar muito $ e consumir o máximo possível). Enfim, há
uma longa lista de livros consultados, que incluem desde o uso indiscriminado
de remédios para hiperatividade, passa pela influência da moda, aborda uma discussão
de vulgaridade e pornografia e vai até a exploração de crianças em reality
shows. É muita coisa para se pensar.
O
que me deixou mais indignada não foi nem a série de roubos praticados pelo
grupo, e sim a exploração do caso por todos que queriam se dar bem com o
escândalo: advogados, polícia, produtores de TV. Vergonhoso. Sem contar a
opinião pública, que em certo momento começou a achar normal o que a gangue
estava fazendo, já que os meninos não estavam prejudicando ninguém, pois os
afetados eram ricos. Oi?! Dizer que as celebridades mereciam ser roubadas
porque tinham dinheiro e porque não acionavam o alarme de suas residências é
absurdo demais para mim. A velha história de culpar a vítima. Isso dá uma boa
ideia da mentalidade que levou os jovens a agir como agiram. Triste.
“Era
noite. Estacionaram na rua e tocaram a campainha para se certificar de que não
havia ninguém lá. Nunca encontraram nenhuma dificuldade para entrar nas casas.
Havia sempre um jeito, geralmente uma porta destrancada. E sempre contavam com
a desculpa da sua idade e aparente inocência para caso alguém os visse testando
maçanetas ou janelas. Podiam dizer que tinham esquecido as chaves ou então que
estavam ajudando um amigo que tivesse esquecido as chaves. Normalmente entravam
por uma porta que alguém se esquecera de trancar. Quem seria tão cuidadoso numa
vizinhança tão segura?”
História real absurda e assustadora que nos faz refletir sobre os valores atuais de nossa sociedade. Muito bom!
História real absurda e assustadora que nos faz refletir sobre os valores atuais de nossa sociedade. Muito bom!
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O
filme de Sofia Coppola não foi a primeira adaptação da história, que já havia
ganhado uma versão televisiva em 2011. Mesmo sabendo dessa outra produção, Sofia
manteve a intenção de levar para as telonas a sua visão. Inclusive, ela fala
com Jo Sales, a autora do livro, durante as filmagens, assim como o elenco.
Em “Bling
Ring” (o filme), Rachel virou Rebecca e é interpretada por Katie Chang;
Nick virou Marc e é vivido por Israel Broussard; Courtney agora se chama Chloe (Claire
Julien II); Alexis é Nicki (Emma Watson), Tess é Sam (Taissa
Farmiga) e Gabby atende pelo nome de Emily (Georgia Rock). A
principal diferença em relação aos roubos é que os cinco agiam sempre juntos,
enquanto no livro fica claro que havia dois bandos: Rachel + Nick + Courtney e
Alexis + Tess + Nick (e, em uma ocasião, Gabby).
O
glamour e o estilo de vida das celebridades perseguido a todo custo pela gangue
é esfregado na cara do espectador o tempo todo. O filme é um desfile de grifes
sem fim. A popularidade dos jovens, as incursões pelas baladas e o uso
excessivo de drogas apresentados no livro estão todos na tela, emoldurados pelo
hip hop de ostentação típico. Tudo parece saído dos clipes atuais desse gênero
musical, aliás. Achei bem cansativo. Especialmente porque o tom de denúncia e
as reflexões propostas por Jo Sales foram jogadas para escanteio. Me pareceu
que o que deveria ter sido uma crítica ao comportamento dos adolescentes foi um
tiro que saiu pela culatra e virou um endeusamento desse tipo de atitude.
O
histórico dos personagens e de suas famílias, que ajudava a compreender um
pouco mais o que estava por trás das ações dos garotos, desaparece
completamente. O único núcleo familiar mostrado é a mãe de Emily, Nicki e Sam. Mesmo assim, o que vemos na tela é uma pálida pincelada do desequilíbrio
que era a vida dessas garotas e os métodos de educação nada ortodoxos da mãe.
O
ponto que mais me decepcionou, na verdade, foi a falta de exploração do circo montado pela mídia e das falhas
do processo. A luta de egos entre os advogados, a instrução errônea dos
representantes, a desqualificação de provas... tudo poderia ter sido mais bem
aproveitado. Renderia um ótimo filme e uma bela discussão.
No
fim, não encontrei nada que eu esperava ver em um filme da Sofia Coppola. A
delicadeza da narrativa, o cuidado com os detalhes, os diálogos bem elaborados,
a sensação de vazio dos personagens... tudo parece ter ficado soterrado sob o
luxo dos acessórios e a decadência das noitadas. Como alguns membros da gangue
ainda cumprem sentença, talvez tenhamos novos capítulos dessa história quando
eles quiserem falar (e lucrar com isso, certo?).
História interessante + diretora talentosa = filme meia boca (uma equação estranha!)
Veredicto: Recomendo o livro e descarto o filme.História interessante + diretora talentosa = filme meia boca (uma equação estranha!)
5 comentários:
O filme eu já tinha vontade de conferir, mas quero ler o livro antes, embora a adaptação tenha te desapontado. É sempre chato quando isso acontece. Principalmente, quando se espera profundidade.
Bjs ;)
Sobre o filme: putz, que pena! Eu tb esperava um filme no mínimo mediano, vindo da Sofia e com uma história interessante.
Sobre o livro: Além de tudo o que vc mencionou, 2 pontos que considero importante pra esse comportamento dos adolescentes: a (ausência de) educação familiar, incluindo atenção, cuidado e carinho, e a sociedade consumista em que estão inseridos. Juntando tudo isso, temos problemas comportamentais que só se agravam com o uso de drogas e remédios (que não deixam de ser drogas, aliás).
Enfim, o livro tem mesmo tudo pra bom e para render um ótimo filme. Não sei se verei o filme, mas o livro quero ler, com certeza.
Eu também fiquei curiosa com esse filme justamente por ter o nome da Sofia Coppola assinando a direção. Pena que pelo que parece foi mal adaptado, o que é uma pena, porque a história do livro parece ser bastante interessante.
bjos
Oie
Eu tinha vontade de ler o livro, mas li o primeiro capitulo e achei tão boring. Pensei que o filme tivesse sido fiel ao enredo, e por isso eu ia assisti-lo ao invés de ler o livro, mas pela sua resenha percebi que o filme não consegue explorar ao máximo o enredo.
Agora fiquei curiosa em ler o livro todo.
bjos
www.mybooklit.com
Ana,
Pois é... se fosse uma adaptação feita por qualquer outro diretor e tivesse esse resultado, não teria me desapontado tanto. Realmente esperava bem mais da Sofia.
Sarah,
É tanta coisa que influencia o comportamento desses adolescentes e das pessoas em geral... o comportamento está todo distorcido e ninguém percebe.
Mel,
Foi decepcionante, mas o livro valeu muito a pena. Melhor do que eu esperava.
Jacque,
Nem parecem a mesma história, sabe? O livro aborda muitos assuntos interessantes, o filme foi bem raso.
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