Shin Dong-Hyuk nasceu e viveu 23 anos no Campo 14 – um campo de trabalhos forçados para presos políticos. Seu crime? Ser filho de um homem cujos irmãos foram para o Sul durante a guerra que dividiu as Coreias. Seu grande feito: ser o único prisioneiro nascido em um campo desse tipo a escapar com vida. Sua incrível jornada dentro e fora das cercas de arame farpado foi contada ao longo de anos ao repórter Blaine Harden, que teve paciência para esperar que Shin confiasse nele o bastante para revelar a dura verdade.
Shin
é fruto de um nascimento aprovado pela direção do campo, já que mão-de-obra
nunca é de mais, não é mesmo? Os escolhidos para gerar um novo trabalhador eram
agraciados com uma função menos pesada e uma casa, onde moravam a mãe e os
filhos (por um breve período apenas, antes de as crianças terem idade suficiente para serem
transferidas para um alojamento). Assim, não havia um senso de família no
campo. Eram apenas estranhos que por acaso compartilhavam DNA.
O
Campo 14 tem uma reputação assustadora, até mesmo para aqueles que já viveram
em outros campos de concentração. Diferente do que costuma acontecer em outras
instalações de trabalhos forçados, os prisioneiros não são unidos, não existe
empatia ou acolhida de outro desgraçado que está na mesma situação. Pelo
contrário, lá as crianças são ensinadas desde cedo a delatar umas às outras,
bem como aos pais e irmãos. Aprendem desde bem pequenas a bater e humilhar os
mais fracos. O próprio Shin dedurou o plano de fuga da mãe e do irmão mais
velho, do qual ele ficara sabendo sem querer. Ele e o pai foram colocados na
primeira fila da praça pública para assistir à execução de ambos. E Shin não
sentiu nada. Aquelas pessoas não tinham nenhuma importância para ele. Na verdade, isso foi bom para Shin, já que não precisaria mais disputar migalhas com a mãe e
conseguiria um trabalho "mais leve" em reconhecimento da delação. Só
anos depois de ter fugido é que Shin começou a entender como funcionam as
relações entre as pessoas, a amizade, a confiança.
Outro
aspecto que diferencia os prisioneiros nascidos no Campo 14 daqueles que
nasceram e viveram algum tempo em liberdade é a completa falta de perspectiva
de melhora, de vontade de ter uma vida diferente. Aquele universo infernal é
tudo o que conhecem. Eles não sonham. As únicas metas que têm na vida é dedurar
o maior número de pessoas possível para conseguir mais benefícios (mais comida,
uma função menos exaustiva). O plano de vida no Campo 14 consiste em trabalhar duro, denunciar bastante e contar com a “sorte” de não morrer de
inanição ou alguma doença epidêmica.
Para
se ter uma ideia do quanto as expectativas dos prisioneiros são baixas, basta
saber que Shin nunca tinha pensado no mundo exterior. Provavelmente não haveria
nada lá que interessasse a ele. Seu desejo de fugir só nasceu quando ele foi
encarregado de espionar um preso transferido de outro campo, que já havia
viajado para muitas partes do mundo. No entanto, não foi a vontade de ampliar
os horizontes que o impeliu a passar pela cerca eletrificada, e sim a incrível
promessa de comer o que quisesse. Sua ambição máxima era sair e comer uma
panela toda de arroz.
O
livro fala também do longo percurso que Shin enfrentou depois de escapar do campo, das
dificuldades que teve ao cruzar a fronteira com a China, de sua ida aos Estados
Unidos, de seu ingresso como ativista dos direitos humanos, do tempo que levou
para que conseguisse se abrir verdadeiramente, da publicação de seus primeiros
relatos em matérias jornalísticas e de um livro baseado em seu diário.
Além
disso, o autor questiona por que os governos de outros países não fazem nada
para acabar com campos de trabalhos forçados como o Campo 14. Os campos
nazistas, que geralmente são os primeiros em que pensamos quando se fala dos
campos de concentração, duraram apenas 3 anos. O Campo 14 existe há mais de 50
anos! Sua localização é conhecida e seus quilômetros de extensão são visíveis em fotos do Google
Earth. Mas, claro, há muitos interesses políticos e econômicos em jogo.
O que fica para Shin, assim como para todos os sobreviventes, é o fato de que pior que a tortura sofrida dentro do campo é ter que viver com as lembranças horríveis do passado. Em 2012, o livro virou o documentário "Camp 14 - Total Control Zone" pelas mãos do diretor Marc Wiese. Foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano passado, mas ainda não ganhou uma versão definitiva em português.
“Ao
contrário dos sobreviventes a um campo de concentração, Shin não foi arrancado
de uma existência civilizada e obrigado a descer ao inferno. Ele nasceu e
cresceu lá dentro. Aceitava seus valores. Chamava-o de lar”.
Interessante e revoltante. Recomendo!
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7 comentários:
Hummmm parece muito bom!
Ja esta na minha lista.
Vou postar meu desafio ate amanha.
estou atrasada com minhas postagens e comentários...pra variar...rsrs
Adorei sua resenha
Bjks, querida
Faz teeeeempo que quero ler este livro. Deve ser mesmo impressionante, cruel, triste, revoltante. Adorei sua resenha, Mi.
bjos
Nossa quero muito ler esse livro, é assustador de fato que locais como esse existiram (ou ainda existam?).
É interessante que isso faz entender que esse tipo de comportamento político não se restringiu a época do nazismo, mas é muito mais comum do que imaginamos, infelizmente.
Dica anotada!
bjos
Oie Michelle
Uau, não sabia desses esquemas do campo 14, e as atrocidades que eram cometidas com quem nascia lá. Me arrepiei na parte em que você fala sobre a falta de sentimentos de Shin ao ver a execução de sua mãe. Uau, parece uma leitura bem intensa, e como eu gosto de livros de não-ficção, vou querer ler logo. Me arrependi de não ter comprado o exemplar na bienal, pois estava bem baratinho :(
bjos
www.mybooklit.com
Não faz muito tempo encontrei esse livro em uma promoção e a princípio não sabia bem do que se tratava. Passei batida e agora me arrependo.
Depois da sua resenha fui pesquisar um pouco mais sobre ele e já me causou um mal estar. Eu fico cada vez mais besta com a capacidade que o ser humano tem em ser uma pessoa má e submeter seus semelhantes a vidas como à desse sobrevivente. Quando você falou que ele entregou a própria mãe, que as pessoas do campo de concentração sequer conseguem sentir empatia pelo outro que está na mesma situação que ele... Caramba. Não sei nem o que falar.
Não vou passar batida por ele novamente.
Bjos!
Clau,
É bom sim. Te empresto depois, se quiser, tá?
Sarah,
Mesmo esquema, faço um novo círculo de empréstimo ;)
Mel,
Ainda existem e muita gente tem interesse em manter as coisas assim. Triste.
Jacque,
É impressionante. Vale a pena ler. E está sempre em promoção na Saraiva ;)
Taci,
É chocante ver como as pessoas do Campo 14 agem umas com as outras, mas elas foram treinadas para isso. E quando o que está em jogo é a própria sobrevivência, vale tudo, né?
Eu tenho muita vontade de ler esse livro, faz meses que estou namorando ele, sei que provavelmente será uma leitura sofrida porque eu me comovo muito com essas coisas, mas sei que vai valer a pena, histórias como essa merecem ser lidas para não caírem no esquecimento.
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