sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Resenha: Floresta Noturna


Luce é uma mulher desiludida com as pessoas que resolve se afastar e buscar abrigo na natureza. Trabalhando como caseira de um chalé nas montanhas Apalaches, ela leva uma vida simples e contemplativa. No entanto, sua rotina pacata é quebrada quando ela é nomeada pelo Estado guardiã legal dos sobrinhos gêmeos, Dolores e Frank, crianças traumatizadas que presenciaram o assassinato da mãe pelo padrasto, que, depois de ser inocentado pela justiça, sai da cadeia louco para eliminar as pequenas testemunhas e botar a mão na grana que a esposa havia escondido dele em algum lugar.

Uma capa bonita, uma sinopse interessante, uma única resenha no Skoob e uma promoção de e-books na Amazon. Essa combinação foi suficiente para me fazer comprar esse livro. Depois, fazendo uma rápida pesquisa na internet, descobri que o autor, Charles Frazier, também escreveu ‘Cold Mountain’, vencedor do U.S. National Book Award 1997 e levado às telas em 2003 por Anthony Minghella, ganhando também 1 Oscar e 2 BAFTA. Nada mau. Minhas expectativas começaram a aumentar.

De fato, a ambientação de ‘Floresta Noturna’ é a mesma de ‘Cold Mountain’, as montanhas geladas que já foram o lar do povo Cherokee. Com descrições detalhadas das paisagens, dos animais e do clima, o autor retrata o espírito dos personagens, sempre reclusos, sofridos, com um passado de desgraças e sem nenhuma perspectiva de futuro.

A família toda de Luce é um exemplo desse tipo de vida: a mãe havia engravidado jovem e não dava a mínima para Luce e sua irmã mais nova, Lily, saindo de casa quando as duas ainda eram crianças; o pai, violento e viciado em substâncias ilícitas, tampouco se importava com as filhas e, quando Luce, já adulta, o procura na delegacia na condição de cidadã para fazer uma denúncia de estupro, ele simplesmente a convence a deixar pra lá. O histórico de Lily não é dos mais felizes também: atraída por caras aproveitadores e violentos, o que culmina em seu fim trágico.

As crianças são o grande trunfo da história. Perturbadas demais com tudo o que já haviam visto e experimentado em suas breves vidas, são consideradas retardadas por todos que já haviam ficado encarregados de cuidar delas. Jamais pronunciavam uma palavra, pareciam sempre alheias ao que se passava ao seu redor, não faziam contato visual, gostavam de lutar uma com a outra, de quebrar coisas e, especialmente, nutriam uma atração pelo fogo, que sabiam produzir de várias formas.

Lógico que Luce se desespera com a situação. Cuidar de crianças nunca é fácil, principalmente duas tão danificadas quanto aquelas, e ainda mais por alguém que jamais havia se imaginado como mãe e que prezava mais que tudo sua liberdade. Ter que ficar atenta 24 horas por dia a tudo o que os pequenos faziam foi um fardo e tanto para Luce. E, embora ela tenha decretado de cara que sabia que não amaria aquelas crianças e que mesmo assim deveria zelar por elas, não é bem isso que vemos acontecer no desenrolar da trama.

Aos poucos, é possível perceber como os gêmeos eram inteligentes e como possuíam a habilidade de se comunicar um com o outro sem palavras e sem nem ao menos um olhar – aquela ligação natural que veio desde os tempos no útero da mãe. Achei incrivelmente bonito e triste como fizeram um pacto tácito de nunca mais depender de um adulto. Não à toa, o único ser vivo em quem confiam cegamente é na égua de pônei chamada Sally.

Enfim... muita coisa ruim ainda acontece na história, mas não convém falar delas. A beleza do livro está em seguir o ritmo da natureza, respeitando as estações, reverenciando a imponência da floresta, observando suas regras para obter sua benevolência ou sofrendo as consequências da desobediência. Seguindo o ciclo da vida, os personagens e a relação entre eles vão se transformando conforme a paisagem se altera. Lindo demais.

“Luce não tinha a expectativa de amar as crianças, e decerto não esperava que viessem a amá-la algum dia. Isso seria pedir demais, de parte a parte. Mas havia algo que definitivamente sentia em relação a elas, e tinha a ver com o fato de terem sobrevivido. Feridas e prejudicadas, sem dúvida. Mas haviam passado por uma violência devastadora em suas vidas. E, mesmo assim, não tinham se tornado crianças frescas e chorosas. Podiam ser pequenos selvagens ferozes quando queriam. Na maior parte do tempo, estavam pouco se lixando para o mundo particular dos outros e sabiam aguentar a dor, fosse a própria, fosse a alheia, tão estoicamente quanto um apache. E quando viam uma oportunidade, vingavam-se da realidade que ocupavam. Riscar um fósforo e marcar um tento para empatar as coisas. Certos dias pareciam quase tão trágicos e acabados quanto um envelhecido Geronimo fotografado em seus últimos anos, o rosto impassível mas ainda assim alerta nos pequenos olhos negros e astutos. Fosse qual fosse o sentimento que Luce começava a nutrir por Dolores e Frank, ainda não pensara em um nome para ele. Mas era da mesma família do respeito”.

Embora a trama avance devagar, é impossível não ler avidamente, querendo saber mais sobre aqueles personagens e descobrir logo o que vai acontecer. Uma ótima leitura feita por acaso.                                                                Livro mais do que recomendado!

2 comentários:

Ingrit Tavares disse...

Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas entrou pra minha lista de leituras!!

Michelle disse...

Peguei por acaso e foi um dos favoritos do ano!