Genly Ai é o Enviado,
um terráqueo que viaja de um planeta para outro para divulgar a associação de
livre colaboração interplanetária. No planeta Inverno, ele se vê em meio a duas
nações opostas e se envolve em uma disputa territorial. Enquanto tenta cumprir sua
missão, ele investiga e procura compreender essa intrigante sociedade em que
não há divisão de sexos: todos os seres são assexuados, até que entrem no ciclo
reprodutivo, podendo se tornar homens ou mulheres, retornando depois ao estado
anterior e, no ciclo seguinte, têm novamente a possibilidade de se transformar
em qualquer sexo.
O
Enviado tem que lidar com muitas diferenças nesse novo planeta: primeiro, o frio
inclemente e interminável com o qual não está habituado; depois, as regras de
etiqueta social nas quais ele sempre escorrega e a mentalidade e os valores
distintos entre as duas nações que ele visita; por fim, a incógnita que é conviver com
seres que são ao mesmo tempo assexuados e indivíduos femininos e masculinos.
Genly precisou passar por muitos apuros antes de enfim compreender que seu
preconceito foi o que mais afetou o cumprimento de sua missão.
“A Mão Esquerda da Escuridão” não foi
uma leitura fácil e demorei quase 100 páginas para começar a gostar da
história. Os nomes bizarros e a narrativa fragmentada feita na forma de relatórios de
viagem anteriores e atuais me irritaram muito
no início. Eu já estava começando a duvidar da genialidade da obra quando, de
repente, aconteceu: me vi tão envolvida na aventura de Genly e tão
estupefata com o universo criado pela autora que
não conseguia parar de ler.
Para mim, o trunfo do livro é nos fazer pensar em como
tudo em nossa sociedade é definido pelo sexo das pessoas, o que limita
absurdamente nossas escolhas na vida. Imaginar como seria se pudéssemos, de
fato, ser qualquer coisa, é muito interessante. Transcrevo abaixo o trecho que
exemplifica perfeitamente o conceito de igualdade entre os sexos:
“Considere: qualquer um pode trabalhar em qualquer
coisa. Parece muito simples, mas os efeitos psicológicos são incalculáveis. O
fato de toda a população, entre dezessete e trinta e cinco anos de idade, estar
sujeita a ficar (como Nim definiu) “amarrada à gravidez” sugere que ninguém
aqui fica completamente "amarrado" como, provavelmente, ficam as
mulheres em outros lugares - psicológica ou fisicamente. Fardo e privilégio são
compartilhados de modo bem igualitário; todos têm o mesmo risco a correr ou a
mesma escolha a fazer. Portanto, ninguém aqui é tão completamente livre quanto
um macho livre, em qualquer outro lugar.
Considere: uma criança ao tem nenhum relacionamento
psicossexual com sua mãe ou pai. O mito de Édipo é inexistente em Inverno.
Considere: não existe sexo sem consentimento, não
existe estupro. Como ocorre com todos os mamíferos, exceto o homem, o coito só
pode ser realizado por convite e consentimento mútuo; do contrário, não é
possível. A sedução certamente é possível, mas deve ser tremendamente oportuna.
Considere: não existe nenhuma divisão da humanidade em
metades forte e fraca, protetora/protegida, dominante/submissa, dona/escrava,
ativa/passiva. Na verdade, pode-se verificar que toda a tendência ao dualismo
que permeia o pensamento humano é muito reduzida, ou alterada, aqui em
Inverno.”
Além disso, a autora ainda nos faz refletir sobre
progresso e as incertezas do futuro, fala de amizade, de aparências, do nosso
lugar no mundo. Provavelmente devo ter deixado passar muita coisa ainda. Foi uma viagem e
tanto. Ao final, constatei que o livro merece todos os elogios que
lhe são feitos. Em determinado momento, me peguei pensando no filme “Inimigo Meu”, de 1985. Vocês já
assistiram? Sei lá, acho que tem a ver. Deu vontade de assistir novamente.
Livro interessantíssimo, para ser degustado aos
poucos, absorvendo lentamente as ideias. Recomendo ler com a devida atenção.
Um comentário:
Quero ler esse livro faz um tempão, mas sempre adio a leitura sem motivo. Gostei muito do trecho que você selecionou. :)
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