John Elder Robison passou a infância, a
adolescência e parte de sua vida adulta tentando se encaixar em um mundo que
não compreendia. Coisas que para ele eram tão normais e óbvias – como fazer
tudo de um jeito específico e invariável, não aceitar contradições, dizer
sempre o que vier à cabeça, ficar olhando fixamente para o chão ou para um
ponto no infinito durante as conversas, ser fascinado por mecanismos em geral –
pareciam não ser bem vistas por outras pessoas. Só aos 40 anos de idade ele foi
diagnosticado como Síndrome de Asperger,
uma forma leve de autismo, em uma época em que pouco se sabia sobre essa
condição. Em sua autobiografia, ele fala com simplicidade e leveza sobre as
dificuldades que enfrentou por causa da doença e de outras ainda piores que teve
que encarar graças à sua família disfuncional.
John
Elder é o filho mais velho de um casal problemático: a mãe era esquizofrênica e
o pai oscilava entre a depressão e a violência provocada pela bebida. Com todos
os problemas domésticos que enfrentavam e com o pouco conhecimento que se tinha
sobre Asperger, John era visto apenas como um garoto estranho. Seu comportamento
peculiar era considerado esquisitice, teimosia, falta de educação, e o
diagnóstico dos psiquiatras variava entre depressão, esquizofrenia ou múltiplas
doenças mentais. O fato é que sua falta de habilidades sociais causou muita dor
e frustração a John.
Em
uma das cenas que o autor descreve logo no início do livro, ele tenta fazer
amizade na escola com uma garotinha, mas dá tudo errado porque ela “não sabia
como brincar”. Em seu mundo particular, John só concebia uma forma de brincar
(a dele, claro) e ver outra pessoa tentando fazer as coisas de outro modo era
inaceitável. Mais adiante, ele relata uma vez em que alguém lhe conta que fulano
havia morrido e, em resposta, ele abre um enorme sorriso (que deixou o
interlocutor chocado com tamanha insensibilidade). O raciocínio lógico de John
era: que bom que foi fulano, e não eu, meu irmão ou meus pais.
O
exemplo perfeito desse tipo de comportamento que me veio à cabeça enquanto eu
lia é o personagem Sheldon, da série
'The Big Bang Theory': alguém que é
extremamente inteligente, mas não entende ironia e sarcasmo, que é incapaz de
mentir e que não gosta de variações em sua rotina. O que é muito engraçado em
uma série de ficção pode não ser algo tão simples de lidar na realidade.
O
que mais me agradou no livro é a forma como o autor nos apresenta suas
memórias. Ele sabe dosar muito bem as informações sobre a doença, os problemas
familiares, as dificuldades que teve e ainda tem para se ajustar e histórias
maravilhosas que viveu, incluindo as brincadeiras e experiências não muito
saudáveis a que submeteu o irmão mais novo, a descoberta de seu incrível
talento para criar efeitos sonoros e pirotécnicos que o levou a trabalhar para
o KISS e sua trajetória profissional
até entender o que realmente o fazia feliz. John consegue informar sem ser
chato, fazer rir sem ser forçado e emocionar sem ser piegas.
Eu
já conhecia a história dos Robison do filme “Correndo com tesouras” – os fatos ali mostrados são tão absurdos
que parecem saídos da mente de um diretor chapado, mas, infelizmente,
aconteceram mesmo. Em “Olhe nos meus
olhos” o autor fala apenas superficialmente de sua família, mas já dá para
ver o quanto eram perturbados e como isso afetou sua vida, bem como a de seu
irmão, Augusten Borroughs, que,
aliás, escreveu o livro que deu origem ao filme e estimulou John a escrever sua
própria biografia. Nem preciso dizer que quero ler o livro do irmão o quanto
antes.
"Muitas
pessoas com Asperger têm afinidades com máquinas. Às vezes, eu acho que podemos
nos relacionar melhor com uma máquina do que com uma pessoa. Talvez porque
possamos controlá-las, nós não interagimos com elas como seres iguais. Elas são
previsíveis. Elas não me enganam e nunca são sacanas”.
Intrigante,
informativo, divertido, emocionante... Recomendo muitíssimo a leitura.
Mais uma leitura proporcionada pelo Livro Viajante do Skoob.
Um comentário:
Me interesso bastante pela síndrome de Asperger desde que li "O estranho caso do cachorro morto". A trajetória de vida do John parece ser fascinante, quero ler esse livro. :)
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