“A Louca da Casa” é um livro difícil de
classificar. A autora mistura autobiografia com histórias de escritores famosos
e reflete sobre a escrita, o papel da literatura e o poder da imaginação. Com a
habilidade de uma artesã, Rosa Montero
vai costurando suas memórias com fatos inusitados sobre autores e suas obras,
tecendo hipóteses, fazendo comentários, e o resultado é um livro envolvente. Como se
estivéssemos diante de uma velha amiga que vai misturando assuntos conforme vai
se lembrando deles.
Como
são vários os temas abordados no livro, é impossível seguir uma cronologia
(mesmo porque, não há). Então, assim como a escritora, aqui também vou falar
dos pontos aleatórios que mais chamaram minha atenção. Um deles é o poder da
memória e da imaginação e como se relacionam. A lembrança que guardamos de um
evento nem sempre é a mesma que outra pessoa registrou da mesma ocasião, assim
como a impressão que temos de determinado acontecimento na infância vai mudando
ao longo da vida. Como somos todos feitos de recordações, nossa história e
nossa própria existência são coisas mutáveis, que moldamos conforme o momento
ou como nos convém.
Daí
vem a urgência que alguns escritores têm de escrever suas biografias, deixar
impressa sua vida, provar sua relevância, permanecer na memória dos outros
mesmo após sua morte e, assim, transformar-se em um ser eterno. Ainda sobre
escritores, Rosa Montero compara as atitudes de alguns autores famosos na vida
real e os ideais que pregavam em suas obras. Muitas vezes, o que temos é contradição
pura. E há ainda a confusão feita por alguns leitores, que acham que todo
personagem de literatura tem que refletir exatamente as experiências de seus
criadores.
Outro
tópico literário abordado é a inspiração e o trabalho árduo para transformá-la em palavras. A vaidade e
o medo do fracasso também são analisados pela autora. O valor de uma obra
(sucesso de crítica vs sucesso de público) também é debatido. Afinal, o que é
um "livro de qualidade"? E a literatura, serve para quê?
Uma
das partes mais interessantes é quando Rosa Montero fala do tratamento desigual
entre livros escritos por homens e aqueles criados por mulheres. Por que uma
personagem do sexo feminino criada por uma autora tem que representar
necessariamente apenas as mulheres, enquanto um personagem masculino criado por
um escritor reflete a humanidade como um todo?
Outra
reflexão importante é sobre o papel de “esposa de escritor”. Mulheres casadas
com autores famosos que tiveram sua identidade anulada, muitas vezes passaram
por provações imensas para apoiar o marido, algumas tiveram que aguentar o mau
comportamento de “gênios incompreendidos”, e acabaram, quase sempre, vistas de
um jeito nem um pouco positivo. Se um escritor é bem-sucedido, os louros são
todos dele; se enfrenta problemas, com certeza é culpa da esposa infernal. Por
que o mesmo raciocínio não se aplica aos esposos? Por que eles não pertencem à
classe de "marido de escritora"?
Gostei
muito das questões levantadas e da forma casual como a autora abordou os temas.
Foi realmente como se estivesse conversando com uma amiga. Recomendo a leitura!
Este livro foi lido para a discussão de maio do projeto Bastardas. Para junho, julho e agosto, o livro escolhido foi "O Segundo Sexo", da Simone de Beauvoir, e será lido e discutido por partes. Lá no blog tem informações detalhadas de como será feita a divisão.
Quem mais leu?
A Gabi já fez vídeo sobre "A Louca da Casa".
A Patrícia di Carlo fez resenha do livro.
4 comentários:
Oi Mi
nunca tinha ouvido falar desse livro e agora confesso que fiquei curiosa. Conforme fui lendo suas impressões ia me perguntando "mas como...?" ou "será que eu consigo acompanhar?". Quando você levanta de maneira aleatória trechos que lhe chamaram a atenção, acabei entendendo que é bem o tipo de livro que a gente se sente diferente quando termina de ler e daqueles volumes que fazem o leitor pensar. Vou adicionar pra lista
Ainda não conheço o Bastardas, acredita? Mas sempre escuto a Tati falando das leituras que são feitas lá. Vou tentar participar da próxima, mas lembro de ter achado O Segundo Sexo difícil. Na época em que tentei ler, acabei desistindo. Quanto à Rosa Montero, gostei muito das discussões que você mencionou aqui. Tenho uma nítida memória de infância que na verdade é uma foto. Até hoje não sei se a memória foi construída a partir da foto...
Beijo!
Muito bom, MiG!
Ainda não comecei a ler, mas pelo seu post e o vídeo da Gabi, estou ansiosíssima!
Beijos!
Gosto bastante desse livro, Mi.
Também me senti batendo papo com a autora.
:)
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