Lucrecia
e Don Rigoberto formam um casal feliz. Ele, neste seu segundo casamento, parece
finalmente ter encontrado uma mulher que o completa perfeitamente. Ela também
considera a união maravilhosa, embora, no início, tenha ficado receosa quanto
ao filho do esposo, Alfonso (também chamado Fonchito), que era muito apegado à
falecida mãe. Mas pouco tempo depois do casamento, os três formam uma família harmoniosa e unida. Até a proximidade de Lucrecia e Fonchito cruzar os limites de
uma relação entre madrasta e enteado.
Impossível
ler 'Elogio à madrasta' e não pensar
em 'Lolita'. Como na obra de Nabokov,
aqui também acontece o envolvimento sexual entre um adulto e um adolescente.
Mas nem só de semelhanças é estabelecida essa ligação entre os livros. Primeiro
porque, em ‘Lolita’, quem conta a
história é o próprio envolvido com a garota, então o que lemos é sua visão dos
acontecimentos (o que colabora muito para criar a falsa imagem de garota
sedutora), enquanto em ‘Elogio...’ o
narrador não é um personagem, aumentando seu distanciamento emocional do que é
narrado. Segundo porque Humbert age de modo premeditado desde o início para
alcançar seu objetivo de levar a menina para a cama, enquanto na trama de Llosa
a madrasta é quem acaba enredada na teia de Fonchito (o que não quer dizer que
ela não tenha culpa).
Vale
dizer que o envolvimento sexual dos adultos com os adolescentes é condenável
nos dois casos, tanto do ponto de vista moral quanto legal. De modo algum quero
atenuar a gravidade do ocorrido. Todavia, o que me encantou nesse livro foi a
forma como autor conta a história. Llosa realmente conseguiu criar uma história
erótica que não descamba para a pornografia nem tem aquelas descrições sexuais
vergonhosamente mal construídas.
A
estrutura da narrativa é muito interessante. Cada capítulo começa com a imagem
de um quadro real (geralmente pinturas com temas mitológicos), seguida por uma
pequena história sobre o que acontece na cena reproduzida na tela, que antecipa
o que se desenrola a seguir no quarto do casal. Don Rigoberto é um sujeito
apaixonado por arte e literatura e, na cama, gosta de misturar referências
artísticas e literárias com fatos da vida real, dando à esposa o papel
principal em suas fantasias. E essa narrativa extremamente sensual é construída
com esmero pelo autor. Eu não sou fã desses livros hot que têm dominado as livrarias nos últimos tempos, mas confesso
que o Llosa conseguiu me envolver.
Quanto
a Fonchito, há muitas incógnitas. Para começar, não sabemos sua idade exata. Ele é sempre tratado como 'menino' ou 'garoto' por todos, e sua
descrição física é a de um querubim: pele alva, cabelos loiros encaracolados,
olhos azuis inocentes. No início do livro, parece que ele tem uns 10 anos; no
final, seu pomo-de-adão é mencionado – imagino que tenha uns 12-13 anos porque
se fosse mais novo suas façanhas sexuais não seriam possíveis.
Além
disso, a dubiedade de Fonchito não se resume à idade. Ele é o típico lobo em
pele de cordeiro, ou, mais precisamente, um demônio com rostinho angelical. A
forma como ele manipula a madrasta e o pai é assustadora (e aí está mais uma
diferença importante em relação a 'Lolita').
Durante toda a leitura, compartilhei com Lucrecia e Don Rigoberto dúvidas com
relação ao que Fonchito estava fazendo. Será que eu (e os dois) estava
entendendo direito? Será que havia malícia nas ações do menino ou era coisa da minha cabeça
(e da cabeça deles)? No final, fiquei me sentindo tão traída quanto Lucrecia e
Don Rigoberto. E foi exatamente essa combinação de assombro com as atitudes do
garoto com a escrita precisa e envolvente do Llosa que me conquistou e me fez
devorar o livro em uma sentada. Gostei tanto que peguei para ler 'Os cadernos de Don Rigoberto' imediatamente
na sequência, mas a experiência não foi agradável.
“Mas
Alfonsito já a abraçava: ‘Feliz aniversário, madrasta!’ Sua voz, fresca e
despreocupada, fazia a noite rejuvenescer. Dona Lucrecia sentiu aquela silhueta
delgada de ossinhos frágeis contra o seu corpo e pensou num passarinho.
Imaginou que se o apertasse com muito ímpeto o menino se quebraria como um
bambu. Assim, ele em pé sobre o leito, ficavam da mesma altura. Tinha enroscado
seus magros braços no seu pescoço e a beijava amorosamente na bochecha. Dona
Lucrecia também o abraçou e uma das suas mãos, deslizando por baixo do paletó
do pijama azul-marinho com filetes vermelhos, passeou pelas costas do menino,
apalpando e sentindo na gema dos dedos a delicada escadaria da sua espinha
dorsal. ‘Amo muito você, madrasta’, sussurrou a vozinha junto ao seu ouvido.
Dona Lucrecia sentiu dois breves lábios que se detinham ante o lóbulo inferior
da sua orelha, aqueciam-no com seu hálito depois o beijavam e mordiscavam,
brincando. Teve a impressão de que, enquanto a acariciava, Alfonsito ria.”
Nota:
4/5
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Nesta
continuação de ‘Elogio da madrasta’,
Lucrecia e Don Rigoberto estão separados há 6 meses. Arrasado, quando volta do
trabalho ele se enfia em seu escritório, onde vive só com suas lembranças e
fantasias (que registra em cadernos). Ela agora mora em outra casa com Justiniana,
a empregada que a acompanhou após a separação. A vida segue triste e solitária
para ambos, até que, um dia, Fonchito toca a campainha da casa da madrasta.
Dizendo-se
com saudade de Lucrecia e preocupado com o isolamento do pai, Fonchito tenta uma
aproximação com a madrasta para reunir o casal desfeito. A princípio, ela
recusa, mas simplesmente não consegue resistir muito tempo aos encantos do
garoto, que passa a visitá-la constantemente para mostrar seus desenhos,
inspirados em sua recente obsessão com o pintor austríaco Egon Schiele. O
menino acredita ser a reencarnação do artista, que escandalizou pequenas
cidades do interior da Áustria com o tema de suas obras: autorretratos nus e
composições envolvendo menores de idade (que ele costumava abrigar e com quem
às vezes mantinha relações sexuais). Como tudo que envolve Fonchito, Lucrecia
não sabe até que ponto ele realmente estava interessado na arte de Schiele, ou
se toda aquela história era só uma desculpa para provocá-la; se o ex-marido realmente
queria a reconciliação ou se era tudo invenção do enteado.
O
fato é que, em se tratando da trama de 'Os
cadernos...', achei bem inferior ao livro anterior. Tudo que o outro tinha
de bom (a escrita erótica que não caía na pornografia, a estrutura de quadro+descrição
da imagem+fantasias de Rigoberto, a dubiedade das ações de Fonchito), este
estraga. As narrativas ficcionais que Don Rigoberto redige em seus cadernos
continuam tendo Lucrecia como protagonista, mas agora a vulgaridade dá o tom. A
figura angelical e demoníaca de Fonchito perde um pouco sua força porque suas
investidas contra a madrasta já não são tão sutis.
Para
piorar, Llosa ainda entremeia a história principal com discussões sobre temas
variados, como a ruína do erotismo pelas revistas masculinas, a figura dos
artistas (‘não se deve idealizá-los nem satanizá-los', e não importa suas
ações, e sim suas obras - isso é bem problemático considerando o tal o Schiele,
por exemplo) e a diferenciação de relação sexual com menores (meninas = crime;
meninos = desejável que tenha alguém da família que os inicie – nem vou dizer o
quanto isso é absurdo). Não dá para afirmar que as opiniões sejam do autor, e
não de Don Rigoberto, mas algumas delas são ideias bem perturbadoras e
ofensivas.
Bem,
a armação de Fochito é interessante e o desfecho deixa no ar muitas dúvidas,
mantendo o espírito do primeiro livro, mas esses problemas que citei acima
realmente me incomodaram e pesaram na nota final. Meu veredicto é: leiam ‘Elogio da madrasta’ e ignorem essa
continuação.
“Seria
possível retomar a vida a três, juntos de novo na mesma casa? Nesse momento,
ocorreu-lhe que Jesus Cristo, aos doze anos, havia assombrado os doutores do
templo discutindo com eles, de igual para igual, sobre matérias teológicas.
Sim, mas Fonchito não era um menino-prodígio como Jesus Cristo. Era-o como
Lúcifer, o Príncipe das Trevas. Não fora ela, mas ele, ele, o suposto menino,
quem tivera a culpa de toda aquela história.”
Nota: 2,5/5
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Um comentário:
Gostei muito de Elogio a madrasta o livro me conquistou
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