Olás!
Estou
um pouco atrasada com o #vejamaismulheres este ano, mas continuo com minha
intenção de assistir a filmes de países que ainda não foram representados no
projeto e de fazer posts temáticos. O de hoje tem como tema o leste europeu, e
selecionei trabalhos de diretoras dos seguintes países: Romênia, Sérvia,
Bulgária, Bósnia e Croácia.
*Apresento
o título em português e em inglês e, quando disponível, em seus idiomas
originais. Sinais gráficos de seus respectivos idiomas não são utilizados, para
evitar problemas de desconfiguração.
Chuck Norris vs Comunismo (Chuck Norris vs Communism – Ilinca
Calugareanu, 2015) [Romênia]
Este
documentário incrível foca no período entre 1985 e 1989, o finzinho do regime
comunista, e no surgimento de um movimento de resistência ao governo bem
peculiar: o mercado pirata de filmes na Romênia. Numa época em que o único
canal de TV existente no país só transmitia propaganda política e que o regime impedia
que os cidadãos romenos deixassem sua terra natal, o contato com o restante do mundo,
mais especificamente o capitalista, se dava por meio de filmes contrabandeados
e exibidos em sessões de cinema clandestinas. Nesse contexto, duas figuras
foram fundamentais para viabilizar esse sistema: Teodor Zamfir, o cara que cruzava a fronteira do país 2-3 vezes por
ano para trazer novas fitas e que era responsável pela compra de equipamentos
para reprodução dos títulos e negociação dos VHS, e Irina Nistor, a tradutora e dubladora 'oficial' de todos os filmes.
Ambos arriscaram seus pescoços para permitir que a população romena suspirasse
com romances, conhecesse outros lugares do mundo sem sair de casa e, claro, vibrasse com
o cinema de ação hollywoodiano (principal gênero). Irina, o foco do documentário, trabalhava no
canal do governo durante o dia, e à noite fazia as dublagens. Com uma média de
4-5 filmes dublados por noite, sua voz pode ser ouvida em mais de 3000 títulos!
Praticamente todo mundo conhecia a voz de Irina, mas seu rosto era um mistério
que gerava todo tipo de fantasia e especulação. O engraçado é que, quando um
segundo dublador entrou no time, o público rejeitou os filmes que ele dublou
porque já estavam tão acostumados com a voz de Irina que só queriam as fitas
'oficiais'...rs. Gostei muito de conhecer essa figura até então anônima, sua
importância e dedicação à sétima arte. Recomendo fortemente.
Nota:
4/5
Ilinca Calugareanu é editora e
diretora de documentários. Ela começou estudando sociologia e antropologia e
gradualmente passou para o audiovisual. 'Olive
Green' (2014), 'VHS vs Communism' (curta
de 2014) e 'Chuck Norris vs Comunismo'
(2015) são seus três trabalhos na direção.
A Boa Esposa (Dobra Zena/A good wife - Mirjana Karanovic, 2016) [Sérvia]
Milena
é uma esposa e mãe típica, sempre preocupada com o bem-estar do marido e dos
filhos. Na maior parte do tempo vemos a protagonista executando tarefas
domésticas: limpando, arrumando, cozinhando para a família. Mesmo que não haja, a princípio, nenhum grande problema em
sua vida, ela parece constantemente preocupada. Sua preocupação, no entanto, em
certo momento se traduz em dilemas reais: ela é diagnosticada com câncer de
mama e encontra um VHS com imagens de seu marido, ex-militar, e outros
companheiros executando civis em uma ação do exército. Com o peso desse conhecimento sobre seus ombros, ela precisa decidir o que fazer. O filme é muito
eficaz ao abordar questões que mulheres de meia-idade como Milena e suas amigas
enfrentam, como o envelhecimento e a sensação de inutilidade diante da
independência dos filhos adolescentes/adultos, e outras pertinentes a mulheres
de todas as idades, como a falta de apoio na doença, a dependência emocional de
seus parceiros, a violência doméstica. Outro
ponto importante, e que aparece também em outros filmes desta seleção, é o
papel da guerra. Aqui, vemos os efeitos psicológicos do combate nos soldados e
os impactos de suas mudanças de comportamentos em suas esposas e filhos. Um
ótimo filme.
Nota: 4/5
Mirjana Karanovic é uma atriz e
diretora sérvia nascida em
Belgrado. Foi a primeira atriz sérvia a aparecer em um filme
croata após a dissolução da antiga Iugoslávia. Membro do júri de diversos
festivais de cinema, entre eles Sarajevo
Film Festival (2009) e Dortmund/Cologne International Women's Film Festival (2010), também foi premiada por sua atuação no teatro
e, desde 1998, ensina arte dramática na Academia de Artes de Belgrado. Tem em
seu currículo de atriz diversas séries de TV e mais de 30 filmes. ‘A boa esposa’ é seu primeiro trabalho
como diretora e roteirista.
Viktoria
(Viktoria – Maya Vitkova, 2014) [Bulgária]
O filme começa em 1979, dez anos antes do fim do
regime comunista. Boryana divide um apartamento minúsculo com o marido e a mãe,
defensora ferrenha do partido, e sonha partir para os Estados Unidos. O esposo, no
entanto, quer um filho. Ela faz de tudo para evitar, mas em determinado momento
engravida. Sabendo que a criança poria fim às suas chances de sair do país, ela
se ressente e rejeita a filha, Viktoria, que recebe esse nome por ter nascido
em uma data especial para o governo comunista búlgaro e com uma
particularidade: sem umbigo. O governo considera essa característica um sinal
de evolução e a menina se transforma em símbolo do comunismo, ganhando inúmeras
regalias e exigindo da mãe a presença em vários eventos, o que só colabora para
aumentar ainda mais sua infelicidade e rejeição da filha. Quando o regime cai,
dez anos mais tarde, tudo muda na vida dos búlgaros, e a conflituosa relação
entre avó, mãe e filha ganha nova configuração. Embora eu tenha achado o filme
longo demais (155 minutos), não dá para negar que é maravilhoso, tanto pela
forma como aborda a ligação familiar das três mulheres como por seu visual
deslumbrante, que utiliza efeitos especiais discretos, mas poderosos, para
contar a história e evidenciar a conexão das personagens por meio de sangue,
leite e lágrimas. Recomendo muitíssimo.
Nota:
4/5
Maya
Vitkova nasceu em Sofia,
Bulgária, em 1978. Já trabalhou como roteirista, produtora, editora, atriz,
diretora assistente e diretora. ‘Viktoria’
foi seu primeiro longa como diretora e estreou no Festival de Sundance de
2014, e desde então vem colecionando elogios, indicações e prêmios, entre eles o
Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Toronto.
Em
Segredo (Grbavica/The Land of My Dreams – Jasmila Zbanic,
2006) [Bósnia]
Esma é uma mãe solteira que faz de tudo para dar o
melhor à filha adolescente, Sara. Quando a menina a informa de que haverá uma
excursão, Esma começa a correr atrás de fontes alternativas de dinheiro para
pagar o passeio, já que a grana que conseguia no centro de apoio às vítimas da
guerra não dava para esses luxos. Então, a mãe aceita trabalhar como garçonete à
noite e costura de dia para conseguir o montante necessário. Apesar de todo o esforço, as
coisas não saem bem como o planejado e Sara, com a insensibilidade e a rebeldia
típicas da adolescência, passa a atormentar a mãe para que ela lhe dê um
certificado de que seu pai é um mártir de guerra. O que acompanhamos é o
conflito das duas, cada uma delas enfrentando momentos dolorosos: a mãe que não
quer revelar a real identidade do pai da menina; e a filha que tem orgulho do
pai que nem conhece e deseja saber mais sobre seu passado. Mais uma vez, as
feridas causadas pela guerra (no caso, a da Bósnia) são muito mais profundas do
que aquelas ocorridas no campo de batalha. E mostra o quão espinhoso o assunto
ainda é para aqueles que viveram direta ou indiretamente os horrores do
conflito nas áreas da antiga Iugoslávia. Dá vontade de dar uns tapas na menina
mimada (mas, no fundo, é compreensível seu comportamento) e de abraçar a mãe
(vivida por Mirjana Karanovic, a atriz e diretora de ‘A boa esposa’).
Mais uma recomendação de peso.
Nota:
4/5
Jasmila
Zbanic é uma diretora,
roteirista e produtora nascida em Sarajevo, Bósnia. Foi presidente do júri do Sarajevo Film Festival em 2006 e tem 2
curtas e 9 longas-metragens em seu currículo de diretora. ‘Em segredo’ é seu filme mais conhecido e ganhou o Urso de Ouro no
56º Festival de Cinema de Berlim (2006) e o Prêmio do Júri Ecumênico de 2006,
conferido a filmes independentes nos principais festivais de cinema
internacionais.
O Vento
nas Suas Costas (Ti Mene Nosis/You Carry
Me – Ivona Juka, 2015)
[Croácia] [Montenegro]
Este é um daqueles filmes com histórias que se
cruzam em determinado momento. No primeiro segmento conhecemos Dora, garota
apaixonada por futebol que tem sua vida virada de cabeça para baixo quando pai,
que caiu no mundo havia quatro anos, de repente volta para casa e tenta se
conectar com os filhos e se reconciliar com a esposa, obviamente irritada com
seu retorno e ressentida por ter ficado com o fardo de criar dois filhos
sozinha por todo esse tempo. O cara volta disposto a mudar de vida, mas antigos
hábitos e companheiros não o abandonam tão facilmente. A esposa, Lidija, é
maquiadora/cabeleireira em um estúdio onde é gravada uma novela. Nesse mesmo
estúdio trabalha Ives, uma jovem diretora que tenta conciliar a agitada rotina
profissional com a extenuante tarefa de cuidadora do pai idoso que sofre de
Alzheimer. Natasa é a produtora da novela e tem que lidar com o estresse das
gravações e com uma gravidez de risco. Protagonistas e personagens secundários
estão todos ligados de alguma maneira, mas são a solidão e a carência afetiva que unem Dora, Ives, Lidija e
Natasa. É um filme longo, mas as situações e
os personagens são tão interessantes que nem senti o tempo passar.
Nota: 4/5
Ivona
Juka é uma roteirista e
diretora nascida na área de fronteira entre Croácia e Montenegro. Membro da Academia Europeia de Cinema e realizadora
de diversos curtas premiados, entre eles, 'Garbage’
e ‘Editing’, é autora do
documentário croata mais premiado de todos os tempos, ‘Facing
the day’. ‘O vento nas suas costas’ é
seu primeiro longa de ficção.
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