sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Resenha: Mortos entre vivos



Um zumbido constante. Uma dor de cabeça que não cessa. O céu carregado. Um calor anormal. Ratos atacando uns aos outros na calçada. Aparelhos elétricos que não desligam. Sinais de que algo de muito estranho está acontecendo. Cada uma a seu modo, as pessoas tentam amenizar os incômodos. De repente, o zumbido e a dor de cabeça desaparecem. Finalmente todos podiam seguir com suas rotinas. Bem, nem todos.

Há o comediante que perde a esposa num terrível acidente de carro e não sabe como explicar a situação para o filho pequeno, o jornalista aposentado que tenta apoiar a filha em seu processo de luto pela morte recente do netinho, a senhora religiosa que passou os últimos anos cuidando incansavelmente do marido inválido e agora se preocupa com a melancolia da neta.

Quando o tal fenômeno acontece, a esposa do comediante David, pronunciada morta havia poucos minutos, volta a viver; o jornalista Mahler presencia no hospital o caos causado pelos defuntos do necrotério que saíam das gavetas e intui que seu neto talvez espere por ele no cemitério; o marido inválido da senhora Elvy de algum modo sai da sepultura e volta para casa. Passado o assombro inicial, essas pessoas têm que lidar com seus sentimentos conflitantes em relação aos entes queridos que retornaram.

O começo da história é bem Stephen King, com essa coisa da eletricidade incontrolável e tal. Mas depois o livro me lembrou muito a série francesa “Les revenants”. Um pouco mais creepy, é verdade, já que na série os mortos voltam inteiros e, aqui, eles já estavam em estado de decomposição. Ou, no caso de Eva, a esposa do comediante que havia acabado de falecer no acidente, o corpo estava dilacerado, com partes faltando.

Além do aspecto físico dos “revividos”, os parentes também têm que lidar com o fato de os ressuscitados não conseguirem falar, e com sentimentos de ternura e asco que sentem por aqueles seres que parecem não ser os mesmos que partiram para o além. Para o governo, no entanto, os problemas são outros: a possibilidade de alguma epidemia causada por micro-organismos dos corpos dos mortos, onde colocar tanta gente em quarentena, as questões éticas com relação a testes realizados nos retornados.

As histórias dos personagens principais vão sendo contadas de forma intercalada e, dos núcleos principais, aquele composto por Elvy e sua neta, Flora, é o meu preferido. Embora de faixas etárias bem diferentes e com personalidades totalmente distintas (Elvy é muito religiosa e lidera o grupo que vê no ressurgimento dos mortos um sinal claro do fim dos tempos, enquanto Flora é ateísta e fã de Marilyn Manson), elas se encontram três vezes por semana para jogar cartas e tomar chá. Ah, e elas também têm um dom em comum: o “Faro”, ou uma sensibilidade extrema, uma sensação olfativa apurada que as permite “sentir no ar” quando algo está errado. A ligação mental delas é incrível, mas são os cuidados que uma tem com a outra que tornam a relação das duas tão fascinante.

No geral, gostei da abordagem mais intimista, que não trata os revividos como meros zumbis comedores de cérebro. Todavia, achei o final meio corrido. E esperava algo mais na linha do terrorzão tradicional mesmo – o que o começo indica erroneamente. Se eu soubesse desde o início que a trama seguiria essa linha, acho que teria gostado mais. Foi a mudança inesperada que não funcionou muito bem para mim. Pelo menos não neste momento, em que eu queria uma história com sangue e tripas voando pra todo lado...

“Flora não conseguiu ver quem iniciou, mas, devagar, eles começaram a caminhar no sentido horário. Logo depois um círculo irregular tinha se formado, com o poste no meio. De vez em quando um se chocava com o outro, alguém perdia o equilíbrio ou caía do lado de fora, mas acabava reocupando seu lugar na roda. E giravam, não paravam de girar, e as sombras dos mortos iam deslizando pela fachada dos prédios. Os mortos dançavam”.

Nota: 3,5/5


Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Suécia]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.

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