sábado, 28 de março de 2020

Resenha: MaddAddão



E quase um ano depois do último post, estou aqui novamente, só para deixar registrados alguns pontos que me chamaram a atenção durante a leitura de “MaddAddão”, terceiro e último volume da série iniciada com “Oryx e Crake” e que tem como segunda parte “O ano do dilúvio”, livros que li junto com a Lulu para o nosso projeto Lendo Margaret Atwood. Enfim... li a última parte da trilogia em agosto de 2019, mas muitas coisas me impediram de fazer uma resenha. Já nem lembro dos detalhes da história, então vou só apontar alguns assuntos abordados em alguns trechos que destaquei enquanto lia.

Como nos demais volumes da série, a narrativa alterna entre a realidade do mundo pós-pandemia e as condições e situações que levaram ao caos. A narradora principal é Toby, uma das seguidoras dos Jardineiros de Deus que sobreviveu isolada no topo de um edifício. Neste livro ela reencontra algumas de suas pupilas queridas e seu amado Zeb e, junto com outros personagens, formam um grupo de sobreviventes que têm que enfrentar não apenas os desafios do novo mundo, mas também fugir ou combater (dependendo do momento) outros sobreviventes nada amigáveis: os criminosos painballers.

Zeb também tem um papel importante neste volume, porque suas lembranças preenchem as lacunas das histórias contadas nos livros anteriores e revelam de onde surgiu o MaddAddão. Um personagem secundário que cresce no volume final da saga é Barba Negra, o menino cracker que acompanha Toby constantemente e que quer aprender a ler e a escrever, contrariando as intenções de seu criador. A criança se destaca também por fazer as perguntas que levam às críticas da autora aos assuntos abordados, principalmente à religião.

Enquanto Toby conta aos crackers a origem e/ou o passado das coisas, ela vai criando toda uma mitologia, apelando para conceitos sobrenaturais para explicar coisas nem sempre simples de colocar em palavras e, assim, vemos uma religião e divindades surgindo. É assim que Atwood questiona as crenças, que são criadas por humanos, sempre com uma intenção por trás. Até que ponto isso nos ajuda a seguir em frente? Quando isso se torna limitador do pensamento e das atitudes?

Outro ponto interessante diz respeito aos crackers, a versão aperfeiçoada do Homo sapiens: eles têm um mecanismo interno de cura, são dotados de repelente, vivem em sintonia com o ambiente e com as outras espécies, têm senso de coletividade, mas... seu criador foi um homem (aqui no sentido de indivíduo do sexo masculino mesmo) e, como tal, as fêmeas da nova espécie têm a peculiar característica de jamais dizerem não para o sexo, o que teria um papel importante na harmonia da comunidade. Hum... interessante isso, não? O sonho masculino realizado. Mais uma bela cutucada da Atwood, depois de já ter abordado no volume anterior a inferiorização feminina até mesmo entre os pacifistas Jardineiros do Céu (falei disso na resenha de “O ano do dilúvio”).

Outra coisa com relação aos crackers: embora sejam a versão 2.0 dos seres humanos, eles não possuem as características que nos distinguem como espécie (não vou dizer superior porque não acho que sejamos): não são capazes de criar. Sua integração ao ambiente e sua convivência com os outros seres são ideais, mas eles não possuem imaginação. Mas quem sabe o pequeno Barba Negra seja aquele que levará à mudança?

Embora eu não possa mais fazer uma análise detalhada, digo que gostei da leitura na época e que foi uma ótima experiência, como sempre.

“Existe a história, e depois a verdadeira história, e depois a história de como a história foi contada. E depois o que se deixou de fora da história. O que também faz parte da história”.

Nota: 4/5

>> Lulu publicou a resenha dela aqui. Miga, muito obrigada, mais uma vez!

Esta resenha faz parte do Projeto Lendo Margaret Atwood. Veja AQUI a lista de títulos com os links para minhas resenhas já publicadas. Para ver as resenhas que a Lulu preparou especialmente para o projeto, clique AQUI.

2 comentários:

Lulu disse...

Mi, sua resenha ficou muito boa e com bons questionamentos.
Relevante o trecho que você comenta do jovem Barba Negra: “contrariando as intenções de seu criador”. Uma alusão ao livre arbítrio da religião cristã? Teriam os crackers (e os mestiços) o mesmo desenvolvimento e destino dos homens?
No mais, tivemos novamente uma leitura excelente do nosso projeto lindo e agradeço de coração a companhia (^_^).
Beijos!

Michelle disse...

Oi, Lulu!
Tem a ver com a religião cristã também, essa coisa da pureza que está diretamente relacionada ao conhecimento (no caso, à falta de conhecimento - quando a humanidade começa a fazer perguntas e come o fruto proibido, é expulsa do Paraíso). Acho que isso tem muito a ver com as intenções do criador dos Crackers: ele queria que eles se mantivessem puros, e a leitura e a escrita os corrompem.
Muito obrigada por mais essa leitura conjunta!