O
livro é composto por 22 textos curtos
que podem ser lidos de forma independente, como contos, ou como capítulos da
história de Ndalu (que também é o nome real do escritor Ondjaki), o protagonista
asmático que narra suas aventuras de menino em Luanda, capital da Angola. Eventos escolares, brincadeiras com os
amigos, festas de parentes... tudo é contado pela perspectiva de uma criança.
Ndalu, também conhecido como Dalinho, nos apresenta a um universo
infantil que parece estar cada dia mais distante para nós, seres criados no
asfalto selvagem. A infância de Dalinho e de seus amigos e primos foi uma época
de descobertas, de invenções e sonhos, sem o sufocamento de apetrechos
tecnológicos. Eles brincavam na rua, colhiam frutas das árvores, participavam
de desfiles escolares, sentavam-se ao redor dos mais velhos para ouvir
histórias. Ao ler a narrativa de Ndalu, cheia de cheiros, cores e texturas,
percebemos de quanta coisa abrimos mão em nome do “progresso”.
Mas
nem tudo era um mar de rosas para as crianças de Luanda. Como bem nos conta
Ndalu, misturando memórias e fatos históricos, a Angola de sua
infância era um país pobre, que depois de ser explorado à exaustão por Portugal
conseguiu se libertar, mas caiu em uma Guerra
Civil violentíssima, na qual três movimentos libertários disputaram o
controle com o apoio dos socialistas
(principalmente Cuba e a ex-União Soviética), dos capitalistas dos EUA e das forças armadas do apartheid da África do Sul. Vestígios dos conflitos ainda estavam
por toda parte: nos poucos produtos novos que chegavam ao país, nos professores
cubanos, no preconceito racial.
Um
aspecto interessante é a forte presença em Angola das novelas da Globo, especialmente Roque Santeiro, que estava sendo exibida na época. Em vários
contos, o ritual sagrado de acompanhar a novela é apresentado e personagens
emblemáticos, como a viúva Porcina e Zé das Medalhas, são lembrados. Outro
ídolo nacional que também é muito apreciado lá naquelas bandas é o cantor Roberto Carlos. Suas canções embalaram
vários romances angolanos.
Além
disso, o livro usa uma linguagem simples, cheia de oralidade e frases curtas.
Foi bem divertido, para mim, ter contato com palavras e expressões totalmente
desconhecidas aqui no Brasil (mas não se preocupem, há um glossário nas últimas
páginas) e uma ótima oportunidade de ler uma obra originalmente escrita em
português vinda de um país lusófono que não seja o Brasil ou Portugal, bem como
conhecer um pouco mais da história de Angola. Muito bom!
“Eu
acho que nunca cheguei a dizer a ninguém, talvez só mesmo à Romina, mas na
minha cabeça eu sempre escondia este pensamento: as despedidas têm cheiro”.
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E aproveitando... está no ar a resenha de Selvagens, um dos melhores livros que li este ano. Passe lá no Equalize da Leitura e confira!
4 comentários:
Oi, Michelle :)
Que bacana você resenhar um livro com essa temática.
Admito que desconhecia o título, mas livros críticos, que proporcionam reflexão, muito me interessam.
Eu li seu post sobre o projeto. Que idéia maravilhosa! Vou acompanhar aqui os filmes que você resenhar.
Ainda não assisti "Grande Hotel", mas tenho vontade, pois nunca conferi uma atuação da Greta Garbo.
Bjs ;)
Esse livro é um encanto :).
Eu também achei curioso saber que as novelas brasileiras eram famosas em Angola. É interessante perceber as relações entre os dois países e como o Brasil acaba sendo a referência para Angola nessas coisas.
Também li um livro do Ondjaki para o desafio e identifiquei um monte de aspectos em comum nos dois livros: a infância, as novelas, as sinestesias... Pretendo ler Os da minha rua então, já que adorei AvóDezanove.
Ótima resenha!
Beijos
"Ao ler a narrativa de Ndalu, cheia de cheiros, cores e texturas, percebemos de quanta coisa abrimos mão em nome do “progresso”.
Só por esse trecho, o livro já me conquistou. Vou ler!
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