O LIVRO: A Hora da Estrela
Acompanhamos as angústias do escritor-narrador que precisa retirar a história de Macabéa de dentro de si. Enquanto
seguimos com ele em seu processo de criação, ficamos conhecendo a história da
nordestina órfã, magra e feia, criada a cascudos pela tia e enviada para o Rio
de Janeiro para trabalhar como datilógrafa. Lá, continua à margem de tudo,
vivendo isolada em seu mundinho devido à sua incapacidade de se comunicar.
Quando começa a namorar o metalúrgico Olímpico,
Macabéa acredita ter encontrado seu final feliz, mas o destino é um sacana que
não quer facilitar as coisas para ela.
Macabéa e Olímpico formam um casal triste que estava
fadado ao fracasso desde o início. Ambos representam os migrantes que chegam
cheios de ilusões às cidades grandes e acabam engolidos pelo caos, por uma
realidade dura, por pessoas insensíveis e aproveitadoras. No entanto, embora
tenham origem humilde semelhante, Macabéa é totalmente submissa, do tipo que
não reclama de nada, que não tem grandes expectativas, que nem sabe o que quer
dizer felicidade - para ela, bastaria encontrar seu príncipe encantado e tudo
se resolveria. Olímpico, por sua vez, é um cara que não leva desaforo pra casa
(e, como gosta de lembrar, até já matou um cara por isso), é ambicioso e quer
sempre o melhor (adora exibir seus dentes de ouro e critica Macabéa
constantemente por sua passividade).
Eu já tinha lido esse livro na adolescência e gostado
bastante, mas não lembrava dos dramas do escritor-narrador. Para mim, só o que
ficou foi a inocência de Macabéa, seus sonhos de menina simples que precisa
guardar para si mesma, já que os outros não a compreendem e ela tem grande
dificuldade de se expressar. Além disso, só mesmo em sua mente é possível
externar suas vontades, já que, no trabalho, não dá tempo e, no quartinho
minúsculo que ela divide com outras moças tão invisíveis quanto ela, não há
privacidade nem espaço físico.
A releitura de ‘A
hora da estrela’ me permitiu prestar atenção à narrativa peculiar da
autora, que cria um alter ego masculino para ser levada a sério e para
discutir o próprio processo de escrita. Rodrigo S. M., o autor-narrador,
escreve para se livrar de um incômodo, de um personagem que pede para nascer. O
interessante é que o autor nutre sentimentos antagônicos por sua criação: ele a
abomina, tem raiva e nojo dela, mas, ao mesmo tempo, sente pena e quer
protegê-la. Provavelmente a raiva e o nojo venham do fato de o escritor ser de
proveniente de uma classe abastada, e, para dar vida à personagem, começa a se
comportar como ela: passa a usar roupas velhas, a deixar a higiene de lado, a
ter hábitos mais modestos. Por fim, ele se entrega e assume seus temores diante do desfecho trágico que se anuncia.
“Sei que há moças que vendem o corpo, única posse
real, em troca de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a
pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem
e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás – descubro eu agora – eu também não
faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor,
sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas”.
Foi uma ótima experiência reler essa história tão
tocante. Macabéa continua sendo uma personagem querida para mim. Recomendo a
leitura, sempre.
O filme transporta a história do Rio de Janeiro para
São Paulo. Saem os passeios pelos arredores do cais, entra a fascinação de
Macabéa pelo metrô e pelo universo subterrâneo. Independente da cidade, Macabéa
continua perdida em um mundo que não sabe decifrar, permanece invisível, não
consegue se encaixar.
Assim como já tinha lido o livro, eu também já havia
assistido ao filme. E, como sempre acontece nesses casos, lembrava
perfeitamente de algumas cenas (como aquela em que Olímpico faz
Macabéa voar, logo abaixo dos pilares de suporte da linha do metrô, ou quando a protagonista cruza a pé o viaduto que passa por cima das linhas
férreas – são lugares nem um pouco bonitos e que já fizeram parte da minha
rotina por um tempo). Marcélia Cartaxo,
aliás, será para sempre o rosto da Macabéa que povoa minha mente. A atriz
personifica perfeitamente a garota frágil e sonhadora criada por Clarice Lispector.
Gosto muito do filme como um todo, mas quero destacar meus momentos preferidos, como aqueles em que a invisibilidade de Macabéa é
evidenciada (ela fica toda acanhada ao perceber um homem do outro lado do
balcão olhando fixamente em sua direção – mas o homem é cego; ela se encanta ao
ver Olímpico pela primeira vez, posando para um retrato - mas passa pela frente
da câmera justamente no momento em que o fotógrafo ia disparar o flash e,
portanto, é repreendida; ela fica embevecida ao notar que um segurança do metrô
não tirava os olhos dela – mas, quando ele se aproxima, é para dar uma bronca e
pedir que ela não ultrapasse a faixa amarela).
Outro momento marcante, para mim, é quando Macabéa
inventa uma desculpa no trabalho para poder ficar em casa e ter o quarto só
para si. A alegria de ter privacidade e poder dar asas à sua imaginação é
contagiante e, provavelmente, um dos raros momentos de felicidade genuína de
Macabéa em todo o filme. Um momento único em que ela pode ser ela mesma, sem
recriminações ou olhares tortos.
Considero o filme uma adaptação excelente, que
consegue captar a essência do livro sem se prender a detalhes e formatos. E,
para quem não conseguiu decifrar a sutileza do título durante a leitura, o filme não deixa dúvidas sobre o significado da estrela.
Um dos poucos casos em que o filme é tão bom quanto o
livro. Recomendo muito!
Este post faz parte do Projeto Grandes Livros no Cinema. Para ver a lista de títulos com os links das resenhas feitas, clique AQUI.
2 comentários:
Adoro o livro! Ainda não vi o filme, mas parece ser muito bom :)
Li esse livro há tanto tempo, e até hoje ele é um querido para mim. Adoro! Beijos!
http://the-dearest-room.blogspot.com.br/
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