O
conto começa como um ensaio, falando sobre como seres intelectuais e de
pensamento lógico definiram os propósitos divinos, sobre como sentimento moral
ou faculdade intelectual foram atribuídos a funções orgânicas, sobre a
existência negada da maldade e seu caráter humano e incompreensível. Tudo muito
teórico, muito sério, muito maçante. Eu já estava começando a duvidar da
classificação do texto como conto quando finalmente o narrador começa a se
explicar e enfim aparece o Poe que eu estava esperando desde o início: preciso
na escolha dos termos, mestre na criação de tensões, exímio incitador de
angústia.
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Das
18 páginas do conto, 14 são tomadas por essa escrita mais acadêmica que tenta
explicar o que é o tal Demônio da Perversidade, ou, em outras palavras, esse impulso
autodestrutivo que faz com que as pessoas ajam contra si mesmas, façam o que
sabem que não deveriam fazer, como se de fato tivessem um diabinho sobre o ombro
esquerdo soprando em seus ouvidos ações que contradizem a lógica e a moral.
Quando
finalmente o narrador/protagonista da história dá as caras, justifica que preferiu
começar explicando que agiu sob o comando do tal demônio, pois não queria ser
considerado louco e tampouco fez o que fez porque sentia culpa ou remorso. Então,
ele diz que cometeu um crime perfeito e viveu feliz por anos, mas que em certo
momento começou a ter ideias estranhas, ficou obcecado e desenvolveu delírios
de perseguição. A coisa foi tomando uma proporção tão enorme que ele, espicaçado
pelo Demônio da Perversidade, enfim confessa o crime e é condenado à morte.
O
começo da história é realmente esquisito para um conto e até bem chatinho, mas
o pouco tempo durante o qual o protagonista conta o que fez para ter terminado
ali, prestes à execução, vale todo o esforço feito no início da leitura. Engraçado
que, embora ele diga que não foi movido pela culpa, não consegui deixar de
pensar no demônio como parte de sua consciência (a outra parte seria o anjinho,
né?), pois ele teve um fim terrível e foi, de fato, a destruição de seu corpo,
mas pelo menos sua mente ficou livre do tormento. Segundo consta, o Demônio da
Perversidade seria mais bem explicado, anos mais tarde, por Freud e seu
conceito de Pulsão de Morte, encontrando explanação também da repressão do
inconsciente.
Não
sou entendida de psicanálise para dizer até que ponto isso procede, mas, da
perspectiva literária, Poe foi mais uma vez bem-sucedido em criar o horror.
“A
princípio, exerci grande esforço para esquecer este pesadelo que me dominava a
alma. Caminhei vigorosamente, mais depressa, ainda mais rápido, até que no fim
estava correndo. Sentia um desejo enlouquecedor de soltar uivos. Cada onda de
pensamento que se sucedia me invadia de novo terror, porque – ai de mim! – eu
sabia muito bem que, em minha situação, pensar em uma confissão era o mesmo que perder-me. Corri ainda mais
velozmente. Saltei doidamente pelas calçadas apinhadas. finalmente, algumas
pessoas se alarmaram e começaram a me perseguir. Senti então que meu destino estava consumado. Se pudesse
arrancar a língua, era isso que teria feito. Mas uma voz grosseira soou em meus
ouvidos e mãos ainda mais brutais agarraram-me pelos ombros. Voltei-me,
arquejando para respirar. Por um momento, experimentei todas as agonias da
sufocação: fiquei cego, surdo e tomado de vertigem; e então, algum demoniozinho
invisível, acho eu, bateu-me nas costas com a larga palma da mão. O segredo que
aprisionara por tão longo tempo explodiu para fora da minha alma com a força de
um tufão.”
Nota:
3,5
Extra: Nas minhas pesquisas
sobre o Demônio da Perversidade, encontrei o vídeo abaixo, que traz para os
dias atuais o conto do Poe. Achei bacana.
Esta postagem faz parte do desafio ‘12 Meses de Poe’, criado pela Anna Costa. Para ver o post de apresentação do desafio e uma lista de todos os contos lidos e resenhados aqui no blog, clique AQUI.
2 comentários:
Adorei sua resenha! O começo é mesmo meio maçante e estranho, mas qdo o narrador se revela a gente vê o brilhantismo do Poe! De fato, o inicio tem tudo a ver com psicanálise. Eu amo e odeio o tema, por isso sei nada do assunto kkkkkkkkkkkkk mas quase acreditei que o demonio é real, ou ainda acredito XD
Blog Mundo de Tinta
Nedina,
Eu acho o tema interessantíssimo, só não entendo nada mesmo... hahaha
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