É o
encerramento do ano letivo. Lale e suas quatro irmãs vão comemorar com outros
alunos na praia. Meninos e meninas entram no mar e se divertem brincando de
derrubar uns aos outros. Ao voltarem para casa, as cinco garotas são punidas
por “ficarem se esfregando” nos garotos e, como resultado, viram prisioneiras
em sua própria casa. O único jeito de saírem de lá é casadas.
A
coisa já começa assim ruim, com meninas sendo culpadas por algo que não
fizeram, sendo obrigadas a passar por um exame a fim de conseguir atestado de
virgindade e a abandonar a escola e qualquer atividade não relacionada à
preparação para um casamento forçado – tudo isso só porque tiveram a
infelicidade de nascerem do “sexo errado”.
É
claro que elas ficam indignadas, tentam fugir, se rebelam como podem contra
regras tão arcaicas e opressoras, mas não é nada fácil. Não vou entrar no
mérito do casamento arranjado, uma tradição em certos lugares (como se "tradicional" ou "cultural" fosse algum tipo de verdade imutável e que não se deve questionar), mas o que vemos são garotas tratadas feito coisa, como se fossem uma propriedade que passa de pai para esposo, uma mercadoria valiosa com certificado de qualidade e garantia de devolução caso não atenda às expectativas do cliente.
De
certa forma, o filme lembra, sim, “As
virgens suicidas”, mas nem por isso carece de originalidade e
sensibilidade. Lale, a mais jovem
das irmãs, é a narradora da história e a que mais faz jus à rebeldia e ao
espírito livre aludidos no cavalo selvagem do título original. Talvez porque
tivesse presenciado o desespero das irmãs mais velhas, talvez porque tenha tido
mais tempo para buscar uma saída – ela é simplesmente incrível!
Outra
personagem que me agradou muito foi a
avó das garotas, responsável juntamente com o tio pela criação delas após a
morte dos pais. Ela é a representação perfeita dos sentimentos dúbios em
relação ao que impõe às meninas: se, por um lado, precisa zelar pela pureza
delas e as obriga a ficar em casa, treinando para serem esposas perfeitas,
por outro sabe o que elas sofrem, dá para sentir que ela gostaria que as coisas
fossem diferentes e que as netas pudessem fazer escolhas na vida – o fato de
ela deixar o povoado todo sem luz só para que o tio não visse pela TV que as
meninas haviam fugido para ver a final do campeonato de futebol é uma prova e
tanto desses conflitos internos que ela enfrenta.
Embora
o final do filme pareça acenar com uma débil esperança, não consigo acreditar
que o destino das meninas tenha mudado. É um filme lindo, triste e revoltante.
Vibrei com as pequenas insubordinações das garotas e com a vontade delas de
mudar as coisas, mas, no fim, fiquei com aquela incômoda sensação de derrota.
De qualquer forma, é um filme maravilhoso e merece ser visto.
Nota:
4/5
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Sobre
a diretora:
Deniz Gamze Ergüven nasceu em Ancara,
Turquia, em 1978, e emigrou para a França nos anos 80. “Cinco graças” é seu primeiro filme, que vem colecionando
elogios de crítica e público e representa a França na categoria de Melhor Filme
Estrangeiro do Oscar 2016.
Um comentário:
Gostei muito do filme. Uma pena que, mesmo em cenário de ficção, a solução encontrada pelas garotas contra a situação de opressão tenha sido tão particular, deixando para trás, incólume, todo o patriarcado sistemático.
Por outro lado, o filme retrata de maneira bastante sensível um patriarcado de homens orgulhosos e mesquinhos, que constrangem sistematicamente filhas em recatadas donas de casa, para então as oferecer, castas e prendadas, a outro homem-sequestrador.
Obrigado pela recomendação!
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