Maria viaja de ônibus pelas estradas do
nordeste brasileiro. Sacolejando, observa os passageiros que entram e saem do
veículo e compara a situação atual com aquela que viveu 40 anos antes, na
cidadezinha de Olho D'Água, para
onde foi cheia de esperança assumir a cadeira de educadora do Mobral.
Aparentemente, muita coisa mudou desde então. Será mesmo? Enquanto não chega ao
seu destino, ela relembra seus dias no povoado, e também suas andanças pela
Argélia e pelo México, lugares tão distantes e à primeira vista tão distintos, mas que guardam
muitas semelhanças.
Em
todo o livro temos, intercalados, trechos do presente, que Maria quer afastar
da mente a qualquer custo, e do passado, este envolvo num manto de saudade e
melancolia. No início, enxergamos pelos olhos da protagonista uma realidade
dura, mas cheia de mistérios e saberes simples. Como Maria, me deixei levar
pelos encantos daquelas pessoas batalhadoras que não perdiam jamais a fé e que
viam beleza até onde olhos acostumados com outras paisagens percebiam apenas
desolação.
Mas
em certo momento, aquela atmosfera de sonho começou a me incomodar. Adoro
histórias com pessoas comuns que conseguem superar adversidades, que valorizam
as pequenas coisas, que respeitam e se adaptam ao ambiente que as cerca, que
demonstram o que a humanidade tem de melhor. No entanto, não acredito em
milagres nem em aceitar as coisas como são sem questionar – o exato
comportamento dos habitantes de Olho d’Água. Felizmente, Maria também, a certa
altura, começou a se sentir desconfortável com tanta resignação (ou paciência,
segundo os moradores) e resolve agir, perguntar, mostrar outras
possibilidades... o que logo percebe que seria uma tarefa difícil.
O
engraçado é que, embora os personagens e o próprio cenário de “Outros Cantos” sejam absurdamente parecidos
com os de “Vasto Mundo”, desta vez a
leitura teve um efeito diferente em mim. Talvez seja pelo formato (este é um romance,
enquanto o que li anteriormente são contos), talvez seja por meu estado de
espírito... o fato é que no livro de estreia de Maria Valéria Rezende tive a impressão de que o tom de fábula
predominou, enquanto no mais recente lançamento fiquei com uma sensação de
desesperança no final.
De
qualquer forma, acho a escrita da autora muito envolvente e continuo gostando
bastante de como ela aborda as questões sociais. Foi mais uma boa leitura.
Nota:
4/5
“Eu
fazia trinta anos no dia em que me meti pela primeira vez nesta aridez. Ainda
não se havia espalhado por toda a terra a ilusão de poder-se fraudar o tempo e
afastar indefinidamente o envelhecimento e a morte com técnicas cirúrgicas e
calistênicas, fórmulas químicas, discursos de autopersuasão, mantras, injeções,
próteses, lágrimas e incensos. Então, só era possível fazê-lo tornando-nos
heróis, mártires, mitos, símbolos. Apostava-se a vida no que acreditávamos ser
maior que a nossa própria vida. Encher de sentido o tempo era, então, mais
urgente pois tão passageiro, urgência de marcar o mundo com nossa existência,
mesmo que arriscando-nos a torná-la ainda mais breve. Ultrapassar os trinta
anos era atravessar o portal da juventude para a idade adulta. Era, então, o
exato meio da vida.”
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