Vocês
já tiveram aquela sensação de que iam gostar de um livro, filme, autor mesmo
antes de ter tido contato com qualquer trabalho dele? Eu já senti isso algumas
vezes. Com Margaret Atwood foi assim. Eu SABIA que ia gostar da escrita dela.
No ano passado, li “O Conto da Aia” e
comprovei o que instintivamente sentia. Decidi que precisa ler tudo dela. Este
ano, entre janeiro e fevereiro, me joguei em mais uma leitura compartilhada com a Lulu (vejam a resenha dela AQUI) minha parceira de adoração à Atwood. Lemos “O
Assassino Cego”, que só fez aumentar minha admiração pela autora canadense.
Infelizmente,
não tenho como falar nem a metade do que gostaria neste post. Primeiro, porque
não tive a oportunidade de escrever sobre o livro logo que terminei a leitura,
e, com o tempo, as lembranças foram ficando meio borradas. Segundo, porque é um
livro com muitos detalhes, MUITOS mesmo. Para começar, tem a estrutura não-linear
da história, que, no início, mistura notícias da morte de alguns dos
personagens publicadas em jornal com uma pequena informação sobre essas pessoas.
Depois que, como a história abrange o período de várias gerações da
família Chase, tem gente pra caramba, e as mulheres da história vão trocando de
sobrenome conforme vão se casando (o que me deixou bem confusa no início – tive
que montar uma árvore genealógica num papel para não me perder! Hahaha). Como
se isso tudo não bastasse, "O
Assassino Cego" é não apenas o título da obra da Atwood, mas também o
nome do livro publicado por uma das personagens – ou seja, uma narrativa dentro
da outra. Já viram que não é tão simples de explicar, né?
No
entanto, apesar de exigir muita atenção do leitor, é uma história incrível. De
forma bem simplificada, é o seguinte: Laura morre em um acidente de carro que
talvez possa ter sido suicídio, e Íris, sua irmã, organiza e publica
postumamente o livro que a outra havia escrito. Ao mesmo tempo em que é um
sucesso de vendas, “O Assassino Cego”, livro de Laura, também desperta a raiva e a indignação dos moradores da
cidadezinha de Port Ticonderoga, porque conta a história de uma moça que se
encontrava em quartos de hotel baratos com um rapaz idealista e rebelde que
escrevia ficção científica. Pelo teor ousado para a época, a população passa a
criticar a autora, filha de um famoso industrial local. Mas como a escritora
estava morta, o alvo dos ataques acaba sendo sua irmã, Íris.
Na
casa dos 80 anos, Íris está cansada.
Cansada de ter que aguentar os comentários maldosos e os olhares recriminadores
dos vizinhos. Cansada de ter se anulado a vida toda para agradar aos outros (o
pai, o marido). Cansada de ter tido sempre que proteger a irmã (vista como
sensível, ingênua, estranha). Cansada de tanto sofrimento na família. Cansada
de ter que lidar com tantos segredos e carregar tanto peso sozinha. E então ela
resolve desabafar. Ela começa a escrever a história da família, desde o tempo
de sua avó Adelia (a quem sempre
admirou), passando pela mãe e sua morte precoce, pela infância e juventude dela
mesma e da irmã Laura (e tudo o que as uniu) e um pouco sobre sua filha e sua
neta. Ela nem sabe, no fundo, se escreve para que outra pessoa leia ou para
aliviar sua alma, mas escreve mesmo assim. E, como no fim da vida não se tem
mais nada a perder, ela mete o dedo em muitas feridas.
Para
mim, o mais importante é a relação entre as irmãs. Enquanto Íris é carrancuda,
cética, teimosa e prática, Laura é a menininha bonita e sonhadora, curiosa, que
não sabe lidar com abstrações e sofre diante das injustiças do mundo. Apesar de terem temperamentos tão diferentes, Íris, que com razão se irritava às vezes por ter que zelar sempre pela irmã mais nova, nunca a abandonou (embora
carregue uma culpa enorme por alguns eventos do passado – que, ao meu ver,
estavam fora de seu alcance).
A
história de ficção científica, criada durante os encontros dos amantes, é bem
maluca, mas é no meio desse enredo rocambolesco e futurista que Atwood solta as maiores críticas à
sociedade, especialmente à forma como a mulher é tratada. Além disso, vem daí
também uma pista importante, que me ajudou a desvendar o mistério do livro como
um todo. Quem está contando a história de quem? As falsas aparências dão o tom
à narrativa.
Outra
personagem que merece destaque é Reenie,
a empregada dos Chase que começou a trabalhar na casa no início da
adolescência, ainda na época da avó das meninas. Foi ela quem praticamente
criou Laura e Íris, é pela boca dela que as garotas conhecem o passado de sua
própria família e também é dela que ouvem os conselhos de como uma mulher deveria
ser portar (tudo o que há de mais machista com relação ao papel reservado ao
sexo feminino é reproduzido com naturalidade por aquela mulher simples que,
mesmo só tendo a intenção de proteger as meninas, nunca parou para pensar no absurdo
de seu discurso) – conselhos que Laura e Íris seguiram com empenho, mas que
agora, no fim da vida, Íris se arrepende de ter ouvido.
Como eu disse lá no comecinho do post, não tenho como expressar o quanto esse livro é maravilhoso. Apenas recomendo fortemente a leitura. Eu já estou programando meu próximo encontro com Atwood! :)
Nota:
5/5
“Eu fiz treze anos. Eu estava crescendo, e
embora não pudesse controlar este processo, ele parecia aborrecer a papai como
se a culpa fosse minha. Ele começou a se interessar pela minha postura, pela
minha maneira de falar, pela minha conduta em geral. Minhas roupas
tinham de ser simples e feias, com blusas brancas e saias escuras xadrez, e
vestidos de veludo para ir à igreja. Roupas que pareciam uniformes – que
pareciam roupas de marinheiro, mas não eram. Meus ombros tinham que ser retos,
sem nenhuma curvatura. Eu não devia me espreguiçar, nem mascar chiclete, nem me
remexer, nem conversar. Os valores que ele exigia eram aqueles do Exército:
ordem, obediência, silêncio e nenhum sinal visível de sexualidade. Sexualidade,
embora nunca fosse mencionada, era para ser podada ao nascer. Ele havia me
deixado livre tempo demais. Estava na hora de me disciplinar.
Laura também sofreu parte desta
implicância, embora ainda não tivesse chegado na idade. (Que idade era essa?
Agora é muito claro para mim que se trata da puberdade. Mas na época eu fiquei
meramente confusa. Qual o crime que eu havia cometido? Por que estava sendo
tratada como uma interna de um estranho reformatório?)
– Você está sendo muito duro com as garotas
– Callista dizia. – Elas não são meninos.
- Infelizmente – papai respondia.”
5 comentários:
É linda essa capa.
Mas uma maricas como eu talvez não encare um título desses. :(
Adorei o “parceira de adoração à Atwood” (^_^) Somos praticamente um fã clube hahahaha.
Michelle, sua resenha está ótima! Um livro difícil de discutir, você conseguiu escrever suas impressões de forma instigante. Pois é, “O Assassino Cego” é tão complexo que até nas nossas conversas ficamos perdidas, rs. Achei interessante a sensação que este livro nos trouxe, mesmo que boa parte das nossas impressões esteja no fundo da memória. Concordo, em toda a narrativa o destaque, e acredito que a chave para todos os mistérios, é a intensa relação das irmãs. Sobre Reenie, tenho queixas, mas simpatizei com ela naquele episódio do professor abusar de Laura. Reenie acreditou nas meninas e foi uma figura adulta essencial naquele momento. Michelle, agradeço de coração a companhia! Foi uma ótima leitura compartilhada =D
Logo encontraremos Margaret Atwood!!! (\^0^/).
Beijão!
Esse livro é um dos meus preferidos de todos os tempos. É brilhante!
O livro parece ser ótimo! Depois de ler e gostar de "O conto da aia", fiquei com vontade de ler outros livros da autora, acho que esse será o próximo. :)
Marta,
Pode encarar porque é uma história sobre relacionamentos familiares, não tem nada de tão violento/assustador quanto o título sugere.
Lulu,
Adoro nosso fã-clube... hahaha
Já aguardo novas leituras.
Julia,
Brilhante mesmo! <3
Lígia,
Acho uma ótima opção como segundo livro da autora. Para mim, conseguiu manter o nível.
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