Will Andrews, o protagonista, é um
rapaz de 23 anos que abandona o terceiro ano do curso de Direito em Harvard e
vai para o Kansas, atrás de algo que nem ele sabe ao certo o que é. Chegando à
cidadezinha de Butcher's Crossing,
que se resume a três ruas e seis edifícios, ele se instala no hotel e depois
vai procurar o Sr. McDonald,
negociante de peles e amigo de seu falecido pai. O comerciante oferece a ele um
emprego de contador, mas, no fundo, sabe que o jovem não havia cruzado país até
as terras bravias do oeste para passar o dia enfiado entre pilhas de papéis –
como todos os forasteiros, ele estava atrás de aventura.
Sendo
um homem vivido, o Sr. McDonald logo sugere a Andrews que fosse procurar o Sr. Miller, um dos melhores caçadores
da região. Ao conhecer e conversar com ele e com seu fiel escudeiro Charley Hoge, Andrews se anima diante
da perspectiva de caçar uma enorme manada de búfalos que apenas Miller sabia
onde encontrar nas Montanhas Rochosas, no Colorado. Decide, então, financiar a
empreitada e, assim que o esfolador Schneider
se junta ao grupo, eles partem na ambiciosa missão.
É
interessante observar a dinâmica entre indivíduos com personalidades tão
distintas: Miller é o líder
destemido que passa incólume pelas adversidades e que vai ficando cada
vez mais à vontade em um ambiente hostil; Andrews
é o novato que não aguentava mais ficar ouvindo doutrinação na faculdade e na
igreja e inicia a viagem buscando se conectar com seu lado primitivo, embora
sofra horrores para se adaptar à vida selvagem; Charley é um velho que teve a mão amputada devido ao frio intenso
que enfrentou em uma caçada anterior com Miller, mas, mesmo assim, confia
cegamente no amigo; Schneider é o
cara que só aceita o trabalho pelo dinheiro, que não tem a ganância nem os
delírios de grandeza de Miller, e, por isso, às vezes discorda dele, mas segue os comandos do outro de qualquer forma.
Assim
como em “Stoner”, o autor conduz a história devagar, descrevendo detalhadamente
paisagens e sensações. No entanto, ao contrário do que aconteceu quando li
aquele outro livro, desta vez eu não tinha expectativas, e acho que o ritmo
lento foi importante, já que, como na natureza, tudo ocorre no tempo devido e
não há como acelerar ou retardar as coisas. Paciência e perseverança são tão
cruciais quanto a força física e a sanidade mental.
Confesso
que demorei a perceber que havia gostado do livro. Toda a matança dos búfalos
somada às atitudes e comentários revoltantes de Charley (que botava estricnina
nas carnes dos animais abatidos e abandonados na floresta só para matar os
lobos – que ele achava que eram emissores do diabo, assim com as mulheres e os
índios) começou a me irritar em certo ponto. Eu sei, é uma trama que se passa
na segunda metade do século 19 e que retrata a mentalidade da época, mas
começou a me incomodar a certa altura. Eu já estava torcendo para todo mundo
morrer pisoteado pela manada, devorado pelos lobos, congelado, envenenado, sei
lá. Mas... conforme comecei a escrever a resenha, cheguei à conclusão de que a
história é boa, sim.
Por
fim, posso dizer que recomendo essa narrativa que retrata muito mais do que a
mudança física dos personagens: revela o embrutecimento, a perda da inocência e
o esfacelamento dos sonhos daqueles homens.
Nota:
4/5
“Era uma sensação, uma necessidade urgente
de falar. Mas ele sabia que, independentemente do que dissesse, seria apenas um
nome, algo inapropriado para descrever a natureza selvagem que ele buscava. Era
uma forma de liberdade e beleza, de esperança e vigor, que lhe parecia a base
de todas as coisas mais familiares em sua vida, que não eram livres nem belas,
tampouco cheias de esperança ou vigor. O que ele buscava era a origem e a
salvação de seu mundo, um mundo que sempre parecia recusar as próprias origens,
em vez de buscá-las, tal como a relva a seu redor lançava as raízes fibrosas na
terra fértil e escura, na natureza selvagem, renovando-se justamente dessa
forma, ano após ano.”
**************************
“Butcher’s
Crossing” é o próximo livro a ser discutido no Leituras Compartilhadas dos Espanadores, dia 19 de agosto.
- O Kalebe fez uma resenha muito bacana e cheia de links interessantes. Espia lá! :)
4 comentários:
Mi, gostei da resenha! Mas acho que o livro não é para mim, não nesse momento. Acho que as coisas que a incomodaram, também me incomodariam.
PS: Eu acho legal livro de ritmo lento.
Marta,
Nem sempre o ritmo lento me agrada, mas nesse livro ele foi bem importante. Quando estiver em um momento melhor, acho que você vai gostar da leitura :)
Oi Michelle, gostei muito como abordou o livro.
A natureza é um personagem aqui, e realmente é quem dita o ritmo da narrativa.
Já sobre Miller ser ganancioso, eu fiquei meio em dúvida, sempre me pareceu que ele curtia mais o ato da caçada que o dinheiro em si.
Estou ansiosa para ler Augustus, espero que a Rádio Londres publique logo.
Hug
Marcia,
É verdade. Quando eu li, tive essa impressão que era por dinheiro. Depois, durante a discussão no clube, realmente ficou claro que era mais pelo prazer de matar. O que é bem perturbador!
Preciso ler mais um livro do autor para dar meu veredicto sobre ele... hahaha
Postar um comentário