LIVRO: Clube da Luta
“1. Você não fala sobre o clube da luta. 2.
Você não fala sobre o clube da luta. 3. Quando alguém diz ‘pare’ ou fica
desacordado, mesmo que esteja fingindo, a luta acaba. 4. Apenas duas pessoas
por luta. 5. Uma luta por vez. 6. Sem camisa e sem sapatos. 7. As lutas duram o
quanto tiverem que durar.”
Mesmo
quem nunca viu o filme nem leu o livro já deve ter ouvido a famosa primeira (e
segunda) regra do clube da luta. E quem já foi surpreendido pela reviravolta incrível
da história com certeza jamais a esqueceu. Eu, que sou muito fã do filme e que
sempre fico com preguiça de ler o livro se já vi a adaptação, resolvi que já
era hora de dar uma chance à obra do Palahniuk.
E não é que foi uma ótima leitura?
O protagonista sem nome é um cara que aparentemente
leva uma vida perfeita: mora em um apartamento enorme numa área bacana da
cidade e faz um trabalho que, embora burocrático, paga um bom salário, que lhe
permite jantar em bons restaurantes, vestir-se com roupas de marca e decorar a
casa conforme as últimas tendências. No entanto, logo percebemos o preço do
sucesso: ele está frustrado e compra sem parar para tentar preencher o vazio de
sua existência, vive de aeroporto em aeroporto e às vezes nem sabe ao certo
onde está, sofre de insônia crônica.
Em
uma consulta médica em que pretendia conseguir uma receita de pílulas para
dormir, o doutor o recrimina e diz que ele deveria se envergonhar de sua
conduta, e que problemas reais têm aqueles com doenças sérias que só podem
recorrer aos grupos de apoio. Entendendo erroneamente o que o médico dissera,
ele vai começa a frequentar esses grupos e, por um tempo, consegue se livrar da pressão que
o atormentava e volta a dormir. Mas é também em um desses grupos que ele
conhece Marla, aquela que o traz de
volta ao inferno da realidade e que, mais tarde, também revela ser a chave que
o liberta da prisão caótica em que sua vida havia se transformado. A moça, que
tem um papel dúbio na história do protagonista, acaba sendo responsável, ainda
que indiretamente, pelo surgimento de outro personagem importante da trama, Tyler, que cria com o certinho
intérprete do papel principal o tal clube da luta.
É
sempre muito difícil falar de uma história que não é tão nova assim e que se
tornou icônica por algum motivo. No caso de "Clube da Luta", isso é ainda mais complicado porque
entregar o final é muito mais do que revelar eventos futuros da narrativa; é
estragar toda a surpresa e o impacto que sente quem tem contato com a trama
pela primeira vez, pois é daquele tipo de história que parece totalmente sem pé
nem cabeça e que, quando chegamos ao fim, pensamos "Como é que não
percebi isso antes? Os indícios estavam lá o tempo todo!".
De
fato, à primeira vista, a coisa toda parece ingênua, boba mesmo. Afinal, o que
pode haver de tão genial em dois caras se batendo à toa, sem motivo, às vezes
sem nem se conhecerem, sem nem ao menos ter como objetivo vencer? Poderia, sim,
ser apenas uma forma de extravasar a raiva e as frustrações. Se tivesse sido
escrita hoje em dia, poderia, talvez, ser só mais uma desculpa para as pessoas
postarem vídeos na internet.
Entretanto,
Palahniuk usou esse artifício banal
e supostamente sem sentido para falar de outras coisas, bem mais importantes:
sobre solidão; sobre como muitas vezes nos sentimos insatisfeitos, mas não
fazemos nada para mudar a situação; sobre como estamos presos a padrões de
comportamento aceitáveis e alienantes; sobre como usamos máscaras para esconder
nossos sentimentos reais e para agir como esperado; sobre vidas vazias e
consumismo; sobre como somos definidos pelas coisas que possuímos, pelo cargo
que ocupamos, pelo carro que dirigimos, pela roupa que vestimos... e acabamos
não sabendo quem somos de verdade; sobre como somente aqueles que já não
possuem mais nada conseguem ser livres de fato.
Uma
das características marcantes do livro, e que talvez possa ser um pouco confusa
para quem não conhece a história e não saiba o que está acontecendo, é a
estrutura não-linear da narrativa, feita pelo protagonista – um indício do
estado de sua mente. Outra coisa interessante, mas que provavelmente só notei
porque já sabia qual seria o desfecho, são algumas frases ditas por ele e que
já sinalizam o final. Gostaria de ter lido o livro antes de ver o filme. Será
que eu pegaria as dicas? Vai saber...
Gostei
muito do posfácio, no qual o autor fala um pouco de como "Clube da Luta" passou de um conto de 7 páginas para um
romance, da opinião dos críticos sobre a obra, do retorno que ele teve dos fãs,
de como, ao contrário do que muita gente pensa e insistiu em dizer principalmente na época do lançamento do filme, o livro não
incita ninguém à violência nem estimula as pessoas a destruírem patrimônio e a
fazerem coisas nada higiênicas com as comidas alheias – ele apenas colocou no
papel histórias que ouviu ao longo da vida, causos e relatos, misturados com suas
próprias experiências e organizados com criatividade em uma narrativa
ficcional.
“Clube da Luta” é uma história com
muito sangue, hematoma, secreções, xingamentos, explosões, destruição – coisas
não tão agradáveis e muitas vezes repugnantes –, mas que, numa camada mais
profunda, fala de autoconhecimento, da busca da felicidade, de amor, de
transformações pessoais e da sociedade. Apesar do verniz niilista, o que ficou,
para mim, foi um sopro de esperança.
Recomendo
muitíssimo!
Nota:
4/5
“Você
não se sente tão vivo em nenhum outro lugar do jeito que se sente no clube da
luta. Quando é você e outro cara sob aquela única luz no meio e todos os outros
assistindo. O clube da luta não tem a ver com ganhar ou perder as lutas. E não
tem a ver com palavras. Você vê um cara vir aqui pela primeira vez e a bunda
dele parece uma massa de pão branco. Quando o vê aqui seis meses depois, ele
parece esculpido em madeira maciça. Esse cara acredita que pode lidar com
qualquer coisa. Aqui há barulhos e grunhidos igual na academia, mas o clube da
luta não tem a ver com ficar bonito. Há gritos histéricos em línguas diferentes
igual em uma igreja, e quando acorda no domingo à tarde você se sente salvo.”
********************
FILME: Clube da Luta
Na
adaptação cinematográfica, o protagonista é interpretado por Edward
Norton, Tyler é vivido por Brad Pitt, e Helena Bonham Carter dá
vida a Marla. Não poderia haver trio melhor!
Revendo
o filme, percebo que ele envelheceu muito bem. Não só a história é atemporal,
como também o estilo do diretor David
Fincher continua sendo inconfundível, dinâmico e empolgante, e já pode ser
notado na sequência dos créditos iniciais, que começa dentro do cérebro do
narrador/protagonista, vai percorrendo outras partes de seu crânio e sai de seu
corpo e percorre o cano da arma que está enfiada em sua boca – tudo isso em
movimentos vertiginosos ao som do The
Dust Brothers. Sensacional!
Tanto
no livro quanto no filme, Tyler é apresentado como garçom e projecionista, além
de fabricante de sabão. Adoro o fato de ele usar seus empregos desvalorizados
para se rebelar (de um jeito infantil e perturbador ao mesmo tempo) contra o
sistema: fazendo coisas nojentas com a comida antes de servi-la aos ricos e
esnobes frequentadores dos restaurantes de hotéis de luxo, inserindo quadros de
nudez/pornografia em rolos de filmes infantis (a imagem fica na tela por uma fração de
segundo, tempo que não permite que os espectadores percebam o que viram, só
sintam que viram algo estranho) e vendendo para dondocas caro sabonetes
artesanais feitos de gordura roubada de clínicas de cirurgia plástica.
A
grande sacada do filme é que há, de fato, inserções de frames de outros filmes.
Não dá mesmo para perceber o que é, só que há algo esquisito em algumas cenas.
E o mesmo recurso é usado para sinalizar o desfecho – mas só percebi agora,
revendo. Santa esperteza, Batman!
O
fim do filme é diferente do livro. Não a revelação da relação entre Tyler e o
protagonista, mas o que vem depois dela. No livro de Palahniuk, achei que tudo se encaixa melhor e são fornecidos mais detalhes sobre o que aconteceu ao narrador, enquanto no trabalho de Fincher o desfecho é um pouco mais aberto e romantizado. De qualquer
forma, gosto das duas opções.
Não
tenho como falar muito mais sem estragar a surpresa. Apenas gostaria de deixar
uns links e recomendar fortemente que vejam o filme.
Nota: 4/5
- 25 coisas que você não sabia sobre Clube da Luta (só veja se tiver assistido ao
filme ou se não se importar com spoilers)
-
Vídeo de Between Angels and Insects, do Papa Roach (é posterior ao livro e ao
filme, mas a temática tem tudo a ver: ser escravo das coisas que possui)
-
Série Mr. Robot (outra produção posterior, mas na mesma pegada: derrubar as
grandes corporações, bancos e companhias de crédito, gerar o caos e libertar as pessoas).
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