LIVRO: Novecentos
Danny
Boodmann T. D. Lemon Novecentos, um nome e tanto, não? Pois nenhum outro
combinaria melhor com seu dono, nascido a bordo do navio Virginian na virada de 1899 para 1900, onde viveu 32 anos sem nunca botar os pés em terra firme.
Inusitado. Além disso, ele também era capaz de descrever lugares que jamais
conheceu como uma riqueza de detalhes que convencia qualquer um que já houvesse
visitado tais localidades. Para completar o pacote, o moço também tocava piano
como ninguém. Um mistério esse Novecentos. Uma lenda.
Li
meu primeiro livro do Baricco, ‘Seda’,
em 2015. Fiquei totalmente encantada com sua escrita enxuta e precisa, com sua
prosa poética, com a força imagética de suas palavras. Então, minha expectativa
em relação a ‘Novecentos’ estava nas
alturas. Felizmente, foi um tiro certeiro mais uma vez. Assim como no livro que
li em 2015, este de agora também é igualmente curto e poderoso, e foi por isso
que embarquei na história narrada pelo trompista Tim Tooney, que nos segura
pela mão em uma visita guiada pelo navio em que viveu seu amigo e famoso
pianista Novecentos.
Novecentos,
o músico, foi deixado ainda recém-nascido sobre o piano do salão de baile da
primeira classe. Encontrado pelo marinheiro Danny Boodmann, foi batizado (utilizando
um sistema muito peculiar de escolha de nome) e criado por ele na embarcação,
cresceu em seus corredores labirínticos, conviveu com todo tipo de gente e
desenvolveu as habilidades incríveis que citei no início do texto. Seu talento
como pianista era tão grande que sua fama correu o mundo e, mesmo sem nunca ter
descido do navio, foi desafiado por outro pianista de renome. Mas Novecentos
não lia partituras, não seguia regras – ele tocava com o coração e com dedos
leves e ágeis como colibris. E levava sua música a todos que quisessem ouvir,
sem fazer distinção entre primeira, segunda ou terceira classe.
Um
dia, no entanto, Novecentos conversa com um dos passageiros e esse bate-papo o
toca de alguma forma. Ele decide sair do navio. Todos são pegos de surpresa,
mas apoiam sua decisão. Só que na hora de descer a rampa, algo faz o rapaz
travar. O que teria feito o moço mudar de ideia? Seria o medo diante de uma
vida nova? De não conseguir se encaixar nessa nova realidade? De não conseguir
atender às expectativas alheias? De ser apenas mais um na multidão? Enfim...
muitas possibilidades. Poeticamente, ele resume assim:
“Primeiro
degrau, segundo
Não
foi o que vi que me parou
Foi o
que não vi
Pode
entender, irmão? Foi o que não vi... procurei-o mas não existia, em toda aquela
destruída cidade existia tudo, exceto
Havia
tudo
Mas
não havia um fim. O que não vi é onde acabava tudo aquilo. O fim do mundo
Agora
você pensa: um piano. As teclas iniciam. As teclas terminam. Você sabe que são
88, sobre isso ninguém pode culpá-lo. Não são infinitas, elas. Você é infinito,
e dentro daquelas teclas, infinita é a música que pode fazer. Elas são 88. Você
é infinito."
O
texto foi escrito como monólogo a ser levado para o teatro por um ator e um
diretor específicos. O próprio autor diz em uma nota inicial que não considera
seu trabalho um texto teatral, embora a estrutura seja, sim, a de uma peça.
Algumas pessoas não gostam muito do formato, mas a mim não incomoda. Adorei e
já estou ansiosa pelo próximo Baricco!
Nota:
5/5
Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Itália]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.
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FILME: A lenda do pianista do mar
Na
versão filmada, Novecentos é vivido por Tim Roth, e Pruitt Taylor Vince
interpreta o trompista, que na tela se chama Max Tooney, e não Tim. Em geral, o
filme segue fielmente a história do livro, com algumas mudanças para o bem e
outras nem tanto.
Danny Boodmann e o pequeno Novecentos |
A
primeira alteração, e que faz todo sentido para manter a surpresa do desfecho,
é que no filme a situação em
que Max reencontra Novecentos anos depois que o trompista havia
deixado o navio só é revelada no final, ao contrário do que acontece no livro,
que já dava o tom do encerramento da trama logo nas primeiras páginas.
Encantando a todos no navio |
A
segunda modificação favorável é a introdução do personagem dono da loja de
instrumentos musicais. É ao tentar vender sua trompa que Max começa a conversar
com o vendedor e conta a ele a incrível história de Novecentos (no livro, o
narrador fala diretamente com o leitor). Além de fazer o papel de ouvinte, a
figura do lojista também ganha importância na cena final que colabora ainda
mais com a nostalgia da história.
Hora do duelo |
Uma
das cenas mais intrigantes do livro, na qual Novecentos toca piano durante uma
tempestade monstruosa que faz o instrumento deslizar de um lado para o outro no
salão de baile como se dançasse uma valsa, fica ainda mais bonita na tela, ao som
da trilha sonora maravilhosa de Ennio Morricone e Roger Waters. Uma obra-prima
visual e musical.
Valsando pelo salão em plena tormenta |
A
única coisa que me desagradou foi aquela velha mania de enfiar um par romântico
em toda e qualquer história. Sério, não precisava. Novecentos é um personagem
rico e interessante o bastante. Não havia necessidade de apelar para paixonites
baratas para acender sua chama da curiosidade. Tirando esse pequeno deslize,
achei o filme ótimo. Muito bonito mesmo.
Nota:
4/5
Cena do piano:
2 comentários:
Nem preciso dizer que estou doida para ler e para depois assistir o filme, né?!
Também AMO a escrita do Baricco e depois do seu post e da sua opinião quero ler ainda mais mais!
Adorei a resenha, Mi!
Bjks mil
Clau,
Tenho certeza que você vai adorar, viu? Vamos marcar aquele café esperto que te levo o livro.
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