sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Leia o Livro, Veja o Filme: Bonequinha de Luxo

O LIVRO: Bonequinha de Luxo

“Bonequinha de Luxo” é mais conhecido por sua adaptação para o cinema do que pelo livro que deu origem ao icônico filme com Audrey Hepburn. Embora a personalidade da protagonista seja igualzinha na tela e nas páginas, há algumas diferenças entre as duas obras. Talvez a mais importante delas seja o final: se você é do tipo que ama o “felizes para sempre” do filme, saiba que, no livro, não há um encerramento romântico para a dupla de vizinhos (o tom da história é outro). Por outro lado, o desfecho da narrativa de Holly no livro parece ter mais a ver com seu espírito selvagem. E isso não é spoiler nenhum. A trama de Truman Capote se passa anos depois dos eventos vistos no fim do filme, e começa quando o escritor (que não tem nome e é o narrador do livro) recebe uma ligação de Joe, dono do bar que ele e Holly costumavam frequentar, dizendo que tem novas informações sobre o paradeiro da moça. E, no bar, Joe lhe mostra uma foto, feita pelo Sr. Yunioshi e publicada num jornal, em que se vê uma garota que parece ser Holly... na África. A partir daí o narrador relembra toda a sua história com Holly Golightly, aquela que já nos é bem familiar.

Outras diferenças: o narrador é um escritor tão falido quanto a própria Holly, e seu apartamento é um muquifo que tem uma decoração tão improvisada quanto o de sua vizinha do andar de baixo – nada a ver com aquele ambiente moderno e elegante que vemos no filme e que foi criado por sua decoradora/amante (ela nem existe no livro). Na obra de Capote, a trama se passa durante os anos de guerra, e isso é mostrado não só pelo fato do irmão de Holly estar no exército, mas também pelo próprio narrador estar tentando se safar do alistamento e pelas cartas de soldados que a moça recebe. Um outro ponto importante que diferencia livro e filme é o que impele Holly a planejar seu casamento com o brasileiro José Ybarra-Jaegar (hahaha... olha esse sobrenome!). Não vou falar sobre isso para não dar spolier, mas o motivo dela vai além de ter uma vida confortável e segura. De resto, o enredo é basicamente igual.

Mas vale mencionar que o livro tem uns trechos preconceituosos, tanto contra lésbicas quanto contra negros. É claro que é um livro dos anos 50, mas nem por isso dá para fechar os olhos e fingir não ver esse tipo de coisa.

A edição que li inclui, além da novela que dá nome à obra, mais três contos: "A casa das flores", sobre uma moça que trabalha num bordel, mas se apaixona por um cara e vai morar com ele, e então vive um inferno (detestei essa história); "O violão de diamantes", que se passa numa prisão agrícola (esse achei bom); e "Recordação de Natal", memórias de infância de um homem que tinha como amiga inseparável a tia idosa e sonhadora (meu texto preferido). No geral, foi uma boa leitura.

“Nunca se apaixone por um bicho do mato, sr. Bell – aconselhou Holly. Esse foi o erro de Doc. Ele sempre trazia bichos do mato para casa. Trouxe um gavião de asa partida. Uma vez chegou a trazer um gato-do-mato adulto com a pata quebrada. Mas não se pode dar o coração a um bicho do mato. Quanto mais amor se dá, mais forte eles ficam. Até que estão suficientemente fortes para voltar para o mato. Ou para voar até uma árvore. Depois uma árvore mais alta. E então o céu. É assim que a gente acaba, sr. Bell. Se a gente cai na asneira de se apaixonar por um bicho do mato. A gente acaba olhando para o céu.”

Nota: 3/5

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O FILME: Bonequinha de Luxo

O filme é um deleite para os olhos. O figurino chiquérrimo e o passeio de Holly e Paul pelas ruas de Nova York reforçam a atmosfera de sonho da história. A protagonista é a própria gata-borralheira após o encontro com a fada madrinha. E, com seu jeitinho doce da garota do interior, ela consegue combinar ingenuidade e esperteza, sinceridade e dissimulação, elegância e desleixo, além de ser atrapalhada e ter um talento nato para se meter em confusão.


Um dos meus momentos preferidos do filme (além do passeio citado acima) é a partida de Doc na rodoviária. Apesar de ser um cara simples da zona rural do Texas e de ser, legalmente, marido de Holly (não vou entrar no mérito de ela ter 14 anos na época do casamento), ele sabe que ela nunca lhe pertenceu de fato, ao contrário de todos os caras que passam brevemente pela vida dela e já se acham seus donos. Doc sempre soube que ela era o "bicho do mato" que um dia abriria as asas e voaria para longe e, mesmo de coração partido, ele a deixa ir. Acho essa cena bonita demais.


Bem, se o filme acerta ao deixar de fora os comentários preconceituosos contra lésbicas e negros, derrapa ao apresentar o personagem estereotipado do vizinho japonês (que é interpretado por um ator que nem asiático é). De novo, um erro muito comum em obras mais antigas, que felizmente estão tentando não cometer mais hoje em dia.


Sobre o personagem brasileiro, foram felizes ao trocar seu sobrenome de Ybarra-Jaegar por Silva Pereira, mas tropeçaram ao mostrá-lo chegando de um passeio com Holly trazendo lanças de tourada (oi??) e quando ela treina seu português ouvindo lições... com sotaque de Portugal (pelo menos não era espanhol, né?).


Uma comédia romântica bacana com um visual incrível e uma atriz megacarismática. E ainda tem a participação do gatão amarelo. Impossível não gostar.

Nota: 4/5

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