quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Resenha: A pediatra


Sempre perco o timing das grandes obsessões da internet, seja porque estou ocupada demais no momento, seja porque acabo pegando birra de todo mundo falar da mesma coisa e ignoro de propósito (é, sou dessas). Mas nas últimas semanas só se fala de “A pediatra”, que tem 100% de resenhas favoráveis, inclusive de pessoas que têm gostos parecidos com os meus. Decidi dar uma chance. E foi uma das melhores leituras do ano!

A protagonista, Cecília, é uma pediatra que decidiu seguir os passos do pai apenas porque, assim, já teria garantido um consultório particular num bairro chique quando se formasse. A questão nem é tanto ela ter escolhido tal carreira pensando nas facilidades, mas o fato de não gostar de crianças. Na verdade, ela não gosta de gente. Para a protagonista, pessoas são objetos e, como tal, têm funções específicas – quando estão com defeito, gastos ou antigos demais, ela os troca por outros que atendam melhor às suas necessidades. Simples assim.

A trama começa quando o marido de Cecília entra em depressão e ela se envolve com o pai de uma criança que ajudou a vir ao mundo. Daí em diante, temos acesso a todas as ações e pensamentos da protagonista, sem nenhum tipo de filtro. Temos o privilégio de entrar em sua mente obsessiva e manipuladora, vê-la jogar com as vidas alheias só para ter seus caprichos realizados. Sem dúvida, a pediatra é um ser humano horrível.

Então, por que o livro faz tanto sucesso? Porque Cecília é uma protagonista sensacional, daquelas que dão até gosto de odiar. Se no mundo real certamente é aconselhável manter distância de um tipo assim, na ficção é um deleite acompanhar uma personagem tão bem construída e repugnante, que tem como maior trunfo ser demasiado humana, com todas as suas falhas de caráter escancaradas.

Mais que recomendado.

“A vantagem da medicina é poder ser quem quiser, santa, desonesta, anarquista, patriota, bipolar, batista ou ateia, penso e sinto o que eu quiser com estetoscópio no pescoço, quem trata não sou eu, é o protocolo, apenar seguir o roteiro da observação clínica, os casos são mais ou menos os mesmos. Eu me desvio da gravidade e a passo adiante, posso calcular as pedras para erguer a pirâmide maia enquanto a mãe fala, filtro a exuberância dos sintomas que as mães revelam dos filhos e despacho. Atendo com jaleco alvejado, cabelo limpo, volto para minha casa sem alteração que tenha ousado nascer no consultório, corto minha gastura de doença com um banho”.

Nota: 5/5

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