Em “Navegações e Regressos”, Neruda explora o mundo, escrevendo
sobre suas viagens (Brasil, Venezuela, China e, claro, seu retorno ao Chile),
sentimentos, impressões e também sobre os animais (elefante, gato, andorinha) e
até mesmo sobre objetos, sejam eles grandes (o piano, a mesa) ou pequenos (o
prato, a pinça). Para Neruda, nada é insignificante a ponto de não merecer ser
exaltado em uma ode.
Depois
de encarar García Lorca, decidi que
era o momento de conhecer Neruda.
Este livro, em especial, só foi publicado em português recentemente, por meio
da Coleção Folha Ibero-Americana.
E, para minha surpresa, gostei muito mais desta experiência do que da anterior.
O fato de o autor cantar as singularidades de animais e objetos me fez gostar
muito mais destes poemas do que daqueles que tratam de temas mais clássicos e
românticos.
Além
disso, dá para perceber o tom de indignação de Neruda e todo o seu protesto em
alguns dos poemas, como, por exemplo, em “O
Barco”, do qual reproduzo um trecho a seguir:
“Mas se já pagamos nossas passagens neste
mundo
por que, por que não nos deixam sentar e
comer?
Queremos olhar as nuvens,
queremos tomar o sol e cheirar o sal,
francamente não se trata de incomodar
ninguém,
é tão simples: somos passageiros”
E
como não gostar de alguém que consegue transformar em poesia uma coisa tão
pouco idílica quanto a batata frita?
Ode às Batatas Fritas
Crepita
no azeite
fervendo
a alegria
do mundo:
as batatas
fritas
entram
na frigideira
como nevadas
plumas
de cisne matutino
e saem
semidouradas pelo crepitante
âmbar das olivas.
O alho
lhes acrescenta
sua tenra fragrância,
a pimenta,
pólen que atravessou os recifes,
e
revestidas
de novo
com traje de marfim, enchem o prato
com sua repetição de sua abundância
e sua saborosa simplicidade da terra.
O
que me fez pensar... Será que o Neruda escreveu essa ode com fome, sentado em um
boteco daqueles bem sujinhos, com mesas de plástico e cheiro de gordura
impregnando o local? Não sei, mas é exatamente isso que me veio à mente
enquanto lia o poema. Pelo menos, desta vez, consegui me conectar totalmente
com o poeta... rs
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3 comentários:
Michelle, poesia é maravilhoso, mas como você mesma descobriu, a gente tem que achar os poetas que tenham a ver com a gente, às vezes até com o momento da nossa vida isso muda totalmente, rs. Beijinho!
Bem, concordo. É forte o indício de que ele estivesse num botequim no ato da composição. Porém creio que, além da fome, o poeta tinha em si muitos aperitivos já sorvidos na espera das fritas. Só pode. Imagine você esperando uma porção de batatinha e vendo tudo o que o poeta viu! “º~º” [sorrio] E achei a ode um encanto por demais [e isso foi sério]. Michelle, a propósito, aceite meu convite e venha ver o texto de número 292 de minha literatura amadora. >>> HEMATÓFAGO no http://jefhcardoso.blogspot.com lhe espera. Abraço!
Lua,
Verdade. Não dá para colocar todos os poetas "no mesmo saco". Essa minha segunda leitura foi muito mais prazerosa. O negócio é seguir buscando, né?
Jeferson,
Hahaha... gostei dos "aperitivos".
Vou passar lá no seu blog e conhecer sua escrita. Tks pelo convite!
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