A
história se passa em 1990, na África do Sul. Para John Milton, esse foi um ano de grandes
mudanças: libertação de Nelson Mandela
e ingresso no internato só de garotos para cursar o ensino médio. Na escola,
ele e mais sete companheiros de alojamento, conhecidos como “Oito Loucos”, ganham experiências
acadêmicas e sentimentais, vivem grandes aventuras, participam de competições
de rúgbi e críquete, conhecem um pouco mais da história de seu país, e,
sobretudo, desenvolvem uma sólida amizade.
Eu
queria ler “Cotoco” desde o ano
passado, quando selecionei o livro para o mês dos Autores Africanos do Desafio
Literário 2012. Infelizmente, não consegui ler no prazo e o livro ficou na
estante. Este ano, achei que seria apropriado lê-lo para a categoria 'Livros que nos façam rir', embora
tivesse sérias dúvidas de que a leitura seria realmente engraçada. Depois de
várias recomendações, resolvi encarar. E qual não foi minha surpresa ao me
pegar sorrindo em várias partes da história!
John
Milton, 13 anos, vulgo 'Cotoco'
(apelido que recebeu dos colegas não só devido à sua baixa estatura, mas
principalmente ao seu órgão sexual parecido com “um casulo de bicho-da-seda
nanico e anoréxico”), coloca em seu diário tudo o que passa por sua cabeça. São
essas anotações que lemos. Essa forma de narrativa escolhida pelo autor é
perfeita para abordar com leveza e humor assuntos sérios do cotidiano de jovens
garotos: as mudanças físicas e mentais, a descoberta do amor e da sexualidade,
as ameaças dos valentões da escola, a quebra de regras da instituição, a construção
da autoconfiança frente ao desconhecido, e, no caso específico dos personagens
de “Cotoco”, a segregação entre brancos e negros imposta pelo “apartheid” e o
medo do “comunismo” alimentado pelos cidadãos brancos após a libertação de
Mandela.
“O
chefe da nossa ala é P. J. Luthuli, um garoto negro incrivelmente sério que se
veste de modo impecável. Ele nos passa algumas informações importantes sobre a
escola, coisas como ‘ Não pode correr no pátio’ ou ‘Não pode pisar na grama’.
Depois manda a gente se preparar para dormir. Acho que é a primeira vez que
recebo instruções de uma pessoa negra”.
Com
uma linguagem simples, os acontecimentos são apresentados sem pudores, como se
de fato estivéssemos lendo um diário. Os comportamentos típicos masculinos
também são fielmente descritos no livro: apelidos, castigos físicos, brigas,
piadas sexuais, trotes, coisas nojentas como campeonato de peido, obsessão por
mulheres mais velhas (Cotoco é apaixonado pela Julia Roberts e os estudantes
babam pela professora de teatro).
Outra
coisa que observei foi que os adultos da história nem sempre se comportam como
tal e muitas vezes têm atitudes moralmente questionáveis: os pais de Cotoco e
seu professor preferido, Guv, estão frequentemente bêbados; o pai de Cotoco é
paranoico, vive brigando com o vizinho (tendo, inclusive, atropelado os
cachorros do desafeto) e morre de medo que os negros assumam o poder (chega a
montar trincheira no próprio jardim, compra armas e monta uma milícia com
outros moradores para se defender do ataque dos “inimigos”); os pais de outros
alunos viajam o tempo todo e deixam os filhos fazer o que querem; a professora
de teatro trai o marido com um aluno.
“Cheguei
à conclusão de que sou uma ilha de sanidade cercada por um mar de gente maluca.
Por outro lado, é exatamente isso o que diria um maluco de hospício. A todo
instante me pego olhando no espelho à procura de sinais de loucura: um olho que
treme, um fiapo de espuma que escapa da boca.”
Entre
treinos com a equipe de críquete e discussões de clássicos com o professor de
literatura, entre mergulhos noturnos proibidos e ensaios para a peça da escola,
entre feriados com sua família desequilibrada e investigações sobre o fantasma
de um ex-professor que assombra a escola, entre o amor pela namorada e a
atração por outras garotas, entre a alegria da ascensão de um novo regime
político e o temor de um futuro incerto, entre as gozações dos outros
estudantes e a união com os colegas de quarto... entre todas essas coisas se passa
1 ano e, durante esse período, acompanhamos as alegrias e tristezas típicas
da adolescência. Uma história emocionante que faz rir e chorar.
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7 comentários:
Ficou ótima a sua resenha, Michelle! ;)
Xerinhos
Paty
Uma coisa que me deixou orgulhosa é que Cotoco não é racista, mesmo em meio a o ambiente familiar propício a isso. Crianças só tem esse tipo de comportamento quando seriamente influenciadas.
O fato de ser um diário de uma garoto de 13 anos nos dá uma perspectiva bem peculiar.
Beijos
Lendo a sua resenha a gente percebe quantas histórias há em COTOCO. Vc captou bem cada uma delas na sua resenha, demonstrando bem tudo o que o livro nos passa, nos fazendo rir e chorar.
Fiquei rindo ao relembrar “um casulo de bicho-da-seda nanico e anoréxico” rsrs
Parabéns! Como sempre sua resenha é muito boa!
Eu li Cotoco também para o Desafio e gostei muito. Também tinha um certo receio quanto à parte engraçada porque não sou uma pessoa fácil de rir com algo já pronto. Eu rio muito da espontaneidade, das coisas que aparecem de forma gratuita e não de piadas prontas. E justamente por isso eu ri muito em Cotoco, porque ele transcreveu as coisas de forma bastante natural, como um menino faria. O que deixou a leitura leve, apesar dos temas díficeis abordados no livro. Como você disse, para rir e se emocionar ;)
Adorei demais a resenha, extremamente bem escrita!
Michelle, fugindo do assunto do post, eu fui pega de surpresa porque o hotmail não está mais sendo acessado. Vi seu e-mail sobre o Sopa de Letras no celular no trabalho e ia responder quando chegasse em casa, mas não estou conseguindo entrar por causa da tal migração do hotmail para o outlook! Eu a única pessoa no mundo que não sabia... Eu vou esperar até amanhã para ver se ele migra, senão eu faço outro e-mail e te mando os dados certo??
Beijo enorme!
Eu li ano passado e ADOREI Cotoco!
Adorei a resenha tbe, Michelle.
Bjks mil
Oi Michelle!
Esse livro é bom demais! Adorei a leitura!
Pois é... a maioria dos adultos do livro são mais loucos que as crianças! O.O Hehe!
Achei esse livro super sensível e uma leitura muito gostosa! :)
Não sei como o deixei parado na estante por tanto tempo...
Beijos!
Tks, Patrícia!
Aliás, vi o filme e gostei bastante, viu?
Flávia,
Ele é muito equilibrado, considerando a família disfuncional, os amigos doidos e o professor alcoólatra.
Gustavo,
São muitas coisas bacanas no livro. Eu fiquei com dó do Cotoco, mas garotos são bem cruéis mesmo, né?
Tati,
Achei apaixonante. Me fez rir e chorar com a mesma naturalidade.
Clauo,
Obrigada ;)
Angélica,
Acho que você enrolou para começar a ler pelo mesmo motivo que eu: não botava fé que fosse tão bom quanto dizem. Mas que bom que no fim valeu a pena!
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