Tochtli é filho de um poderoso chefão
do narcotráfico mexicano. Mora em um imenso palácio no meio do nada e jamais
deixa a propriedade. Para sua proteção. Entediado e solitário, o garoto
preenche seus dias estudando com o professor particular, investigando quartos
em que foi proibido de entrar pelo pai e contando o pequeno número de pessoas
que conhece. Além disso, ele faz algumas coleções exóticas: de palavras, que
procura todas as noites no dicionário, de chapéus, trazidos de todas as partes
do mundo, e de animais, que formam seu zoológico particular.
Não
sabemos a idade exata do nosso narrador-protagonista, só que ele é um menino
muito curioso e perspicaz. Em suas frases infantis e inocentes, podemos
perceber uma história muito triste e violenta, embora ele mesmo não entenda a
gravidade das coisas que narra. O pai, perdido na educação do filho, quer
protegê-lo e ao mesmo tempo torná-lo durão, preparando-o para assumir seu lugar
nos negócios quando o momento certo chegar. Então, proíbe o pequeno de chorar,
não deixa que o filho lhe chame de pai, acha os noticiários violentos demais
para uma criança, mas, por outro lado, faz questão que Tochtli veja traidores
serem executados e joga com ele um macabro jogo de tiros e previsão de morte.
Curiosamente,
esse foi o segundo livro narrado por criança que li recentemente. Assim como em
“O Oceano no Fim do Caminho”, o narrador também conta uma história dura, embora
aqui ele veja a violência de fora, vivendo em uma redoma criada pelo pai. A relação com os livros foi outro ponto que chamou minha atenção: enquanto o
protagonista do livro do Gaiman usa a ficção para fugir dos problemas e fazer
amigos imaginários, Tochtli não vê graça nos livros, pois só falam de coisas
que já aconteceram ou de um futuro imaginado; para ele, o livro ideal deveria
narrar os fatos enquanto eles acontecem - descobrir a realidade é mais
interessante que viver em um mundo de imaginação.
“Hoje
apareceu um cadáver enigmático na tevê: cortaram a cabeça dele, e nem era um
rei. Também parece que não foi coisa dos franceses, que gostam de cortar as
cabeças. Os franceses colocam as cabeças em uma cesta depois de cortá-las. Vi
isso num filme. Na guilhotina colocam uma cesta bem debaixo da cabeça do rei.
Aí os franceses deixam a lâmina cair e a cabeça cortada do rei cai na cesta. É
por isso que eu gosto dos franceses, sempre tão delicados. Além de tirarem a
coroa do rei para não amassar, tomam cuidado para a cabeça não sair
rolando."
Uma
história sobre o poder devastador do narcotráfico contada com a ingenuidade e a
linguagem gostosa das crianças. Muito bom!
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Como
aconteceu com “Edukators”, assim que eu soube que havia uma peça de “Festa no
Covil” sendo encenada, corri para comprar os ingressos. Em um monólogo de 60
minutos, Marcos de Andrade encarna o observador Tochtli e nos guia pelo
universo do protagonista.
O
cenário é minimalista, contando apenas paredes coloridas com vãos representando
portas e janelas. O próprio ator vai trocando o fundo das cenas enquanto conta
a história. O texto é bem parecido com o do livro, e a expressão corporal e
facial do ator, juntamente com a narrativa infantil, é tão convincente que,
durante a apresentação, eu realmente via ali no palco uma criança contando sua
história.
A
iluminação e a sonoplastia delicada completam o quadro perfeitamente,
acentuando os sentimentos provocados pela narração. Impossível não se deixar
envolver pelo universo do pequeno Tochtli.
Fique
de olho na programação da sua cidade e não perca!
Serviço:
De
13 de junho a 30 de agosto de 2013
Quintas
e sextas, às 20:00
Preço:
R$10,00 (inteira) / R$ 2,50 (comerciários)
6 comentários:
Oi, Michelle!
Eu não vou perder essa peça por nada, já vou achar um dia para ir conferir mesmo não tendo o livro ainda, o que espero fazer em breve.
Valeu pela dica de leitura e teatro :D
Beigos!
Ah, dica anotada!
Vou ver e depois te conto.
Adorei.
Beijao, querida
Oie Mi
Já tinha visto a resenha do livro, e a ideia de trazer um tema um tanto "pesado" em uma narrativa de um menino, sempre me encantou.
Especialmente pela sutileza que os autores precisam empregar a narrativa.
Quero muito ler.
Nunca assisti uma peça (vergonha), mas deve ter sido interessante um adulto incorporar o personagem.
bjos
Gente, e essa capa maravilhosa??? Quero ler! É uma história densa, mas que me interessa.
Ah, que legal, tem uma peça desse livro! Pena que vai ser muito difícil vir aqui para Campo Grande...=\
Maura,
Vá sim! É um programa barato, em local fácil de chegar e de muita qualidade. Bem fiel ao livro.
Clau,
Como eu disse aí em cima, assista! E depois me conta o que achou ;)
Jacque,
O ponto forte da história é justamente a visão ingênua de uma criança falando sobre coisas pesadas. Sério que nunca viu? É uma experiência bem bacana.
Eliana,
Esse livro me ganhou pela capa. Não dá para passar direto por ele na prateleira. Depois, li resenhas que me deixaram com muita vontade de ler. Daí, foi só esperar a promoção...hehe
Bia,
=( Tem Sesc por aí? Se tiver, há chances da peça passar por sua cidade.
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