O LIVRO: BREVE ROMANCE DE SONHO
Na
Viena dos anos 20, Fridolin e Albertine formam um jovem casal que
leva uma vida perfeita: eles são bonitos, prósperos, se amam e têm uma filha de
6 anos. Uma noite, depois de um baile de máscaras em que não conheciam quase
ninguém, marido e esposa conversam sobre o evento e Albertine conta ao cônjuge sobre a atração que sentiu por um desconhecido logo nos primeiros anos do
casamento. A conversa é interrompida por uma chamada urgente de um dos
pacientes do Dr. Fridolin. Ele vai até a casa do doente, encontra-o morto e,
perturbado pelo ciúme causado pela revelação da esposa, flerta com a filha do
falecido. Pelo restante da noite, Fridolin vaga pela cidade, se envolve com uma
prostituta, reencontra um ex-colega de faculdade e participa de uma festa
privativa orgíaca.
“Breve Romance de Sonho” já estava na
minha estante havia mais de 10 anos. Faz parte de uma daquelas coleções
vendidas em banca de jornal. Me interessei pela história na época do
lançamento, mas depois acabei deixando de lado. Minha curiosidade sobre a trama
só despertou novamente no ano passado, quando visitei a exposição do Kubrick
no MIS e passei pela sala das máscaras, que representava a adaptação do livro
feita pelo cineasta. Com o tempo de leitura de fevereiro curto demais para
encarar "Anna Karenina", achei que era hora de tirar meu clássico do Schnitzler
da prateleira.
Em
suas 95 páginas, o romance nos transporta para as fantasmagóricas ruas da noite
vienense e nos apresenta seus personagens peculiares. A rotina equilibrada e
tranquila do casamento de Fridolin e Albertine é quebrada por uma confissão
despretensiosa de um desejo juvenil da mulher, que gera no esposo uma onda
avassaladora de ciúme, insegurança e vontade de dar o troco (por uma coisa que
nem aconteceu). De repente, é como se ele não conhecesse mais aquela pessoa com
quem divide a cama. Passa a duvidar dela e a enxergá-la em atitudes pecaminosas
por todo lado. Mergulha em uma espiral de delírio e perde a noção do que é real
e do que é sonho.
É
interessante notar a presença constante da morte sedutora em todo o livro.
Fridolin, em seu acesso de raiva, se imagina em um duelo de sabres com os
estudantes que trombam com ele na rua e que riem de sua cara (o que lhe faz
lembrar da história contada pela esposa). Depois, deseja ter uma pistola para
atirar no desconhecido dinamarquês que despertou o interesse da adolescente
Albertine. Mais adiante, vai atrás da prostituta de lábios vermelhos (mais um
perigo) e decide invadir a festa privativa da qual o amigo lhe falara por
descuido (mesmo com a advertência de que sua vida correria perigo se fosse
descoberto). Para Fridolin, nada mais importa.
O
sexo é um forte indicativo de sonho na história. Foi a suposta traição da
esposa que levou Fridolin a se jogar alucinadamente na noite atrás de
compensação e ele chega perto de materializar seu desejo algumas vezes: quando
vai com a prostituta até o apartamento dela (mas nada acontece), quando entra
de penetra na festa secreta em que rolava uma orgia (mas é desmascarado),
quando volta novamente ao apartamento da prostituta (mas fica sabendo que ela
está doente). Em suas fantasias, ele vê a esposa transando em todo lugar, mas
quando ele está próximo de conseguir o sexo que tanto deseja, algo o traz de
volta à realidade, como se acordasse de um sonho.
Não
quero dar spoiler, então não vou
falar muito sobre o final. Mas quero dizer que as máscaras do baile que abre a
trama, da festa secreta e da fantasia perdida de Fridolin são muito simbólicas,
como se o autor nos questionasse sobre nossas próprias máscaras que usamos no
dia a dia. Achei simplesmente genial.
Ah... e como o livro foi escrito por um austríaco, em breve teremos uma receita da Áustria por aqui :)
“Afinal,
por mais que pertencessem um ao outro no que sentiam e pensavam, sabiam que,
não pela primeira vez, um hálito de aventura, liberdade e perigo os tocara na
noite anterior; temerosos, atormentando-se em curiosidade silente, buscavam
arrancar confissões um do outro e, aproximando-se amedrontados, procuravam em
si próprios por algum fato, indiferente que fosse, por alguma experiência,
ainda que sem importância, que pudesse dar expressão ao inexprimível, e cuja
sincera confissão porventura os libertasse de uma tensão e uma desconfiança
que, pouco a pouco, começava a fazer-se insuportável.”
Uma
história interessante, dramática, tensa. Tudo isso em menos de 100 páginas. Não
é um clássico por acaso. Leitura mais que recomendada!
Como
eu disse na resenha do livro, foi a exposição do Kubrick que me fez ter vontade
de ler o livro e, claro, de assistir ao filme. Em “De olhos bem fechados”, a capital austríaca dos anos 20 é trocada
pela Nova York dos anos 90. Encontramos o casal Alice (Nicole Kidman) e Bill Harford (Tom Cruise) se preparando para ir a uma festa de fim de ano na
mansão de um dos pacientes de Bill.
Assim
como no livro, o casal não conhece quase ninguém no local e se separa logo no
início da festa, fazendo com que cada um tenha que lidar com flertes dos
convidados. Quando voltam para casa, Alice fala sobre o que aconteceu na festa,
pergunta se Bill não tem ciúme dela e desenterra a paixonite juvenil que sentiu
pelo desconhecido no começo do casamento. Depois disso, a trama continua
seguindo fielmente os acontecimentos do livro quase até o final, quando uma
alteração significativa é feita para explicar a presença de um personagem
inexistente na obra escrita.
A
transposição do cenário não afetou em nada a força da história. A escolha do
casal de protagonistas não poderia ter sido melhor: Tom Cruise ainda mantinha a
aura de galã anos 80 com sua cafajestice fofa e Nicole estava no auge da beleza
e interpreta muito bem a esposa tanto ingênua quanto provocante e
extremamente racional. Vale lembrar que os atores eram casados na época das
filmagens, o que provavelmente conferiu uma intimidade perceptível.
Gostei
muito do fato do diretor ter iniciado o filme com a festa para depois entrar na
conversa do casal. No livro eles já começam falando sobre o baile do dia
anterior. Mostrar a festa é muito importante, pois ali já havia indícios do que seria discutido a
seguir e a mansão é palco de revelações significativas para Bill, que voltará ali em determinado momento. As demais alterações são pequenas e
insignificantes.
Vale
ressaltar as cenas que se passam na festa secreta. O ritual descrito no livro é
amplificado na tela e ganha um poderoso aliado: a música. Kubrick tornou toda a
sequência inesquecível, além de conseguir construir uma orgia sensual e
nada ofensiva. E o que dizer daquelas máscaras assustadoras? Medo!
Fiquei
tão empolgada com o filme que peguei meu exemplar de “Conversas com Kubrick”
atrás de mais informações sobre a produção. Descobri algumas curiosidades sobre
os bastidores, a difícil tarefa que foi escolher as máscaras, as diferenças
intencionais entre a interpretação visceral de Nicole e a postura mais fria de
Tom, umas manias do cineasta e vários detalhes sobre o visual do filme, que
evita o velho truque manjado de criar uma atmosfera de sonho com imagens
desfocadas e investe em insinuações de realidade/sonho por meio das cores de
alguns elementos. Ah, sim... ainda fala sobre a escolha do título do filme –
tão simbólica quanto a escolha das máscaras.
Uma
ótima adaptação que foi considerada um erro gigantesco na carreira de Kubrick,
mas que o tempo se encarregou de revelar como uma obra-prima.
Trailer:
6 comentários:
Mi, vou guardar sua resenha pra ler depois porque estou louca pra fazer essa dobradinha também, faz parte do meu mini-projeto Kubrick, rs. ;-)
Beijo!
Adoro o filme, apesar de lembrar muito pouco dele. Devia estar saindo do ensino médio quando o assisti e lá se foram pelo menos dez anos. Fiquei empolgada em revê-lo e, mais ainda, em ler o livro.
Já estou anotando, para um próximo passeio nas livrarias (físicas ou virtuais).
Eu já assisti ao filme, mas nao lembro do final, rsrsrsrs. Só lembro que gostei!!!!! Percebo que temos sempre que pensar antes de falar. Olga o estardalhaço causado por um comentário inofensivo?? Nao conhecia o livro, parabéns pela resenha, sempre esclarecedora.
Beijosssssss
Não sabia que o filme era baseado em um livro. Fiquei curiosa para ler e assistir, os dois vão para minha listinha. :)
Nossa, eu não fazia ideia que existia um livro que inspirou esse filme! Acho o filme todo um pouquinho confuso mas realmente o tom misterioso e sensual que domina o longa desde o início é o ponto máximo da obra.
Sobre o título, você citou que teve um motivo para tal escolha...
Qual seria? Fiquei curiosa hahahaha
Gostei muito do post :)
Lua,
Legal! Depois a gente conversa então.
Fluxosdesconexos,
Eu nunca tinha me animado com o filme, mas adorei ter escolhido essa história. Foi uma ótima experiência.
Flávia,
Né? Só um comentário inocente pode degringolar toda a situação.
Lígia,
Que bom! Depois conta o que achou ;)
Débora,
Tem a ver com as máscaras que todos usamos, com as pessoas que fecham os olhos para o que não querem ver.
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