quinta-feira, 10 de julho de 2014

Leia o Livro, Veja o Filme: Sob a Pele

LIVRO: SOB A PELE

Neste livro, Isserley é uma mulher de compleição singular. Metro e meio de altura, é dona de seios perfeitos, torneados por generosos decotes. A beleza, entretanto, não se estende ao restante do corpo. Os braços ossudos e magros terminam em mãos ásperas e estreitas, repletas de nós. Todo o tronco carece de equilíbrio, como se algo de estranho existisse em sua constituição física. A bordo de seu Toyota, Isserley atravessa as rodovias escocesas oferecendo caronas. Só que seu automóvel vermelho é para poucos. Os escolhidos devem ser obrigatoriamente do sexo masculino e físico avantajado, abundante em músculos e hormônios. Sob viadutos, em cruzamentos férreos ou nos postos de gasolina, Isserley não pode falhar. Os espécimes devem entrar em seu veículo sem ser notados. Assim, poderão 'desaparecer', sem que a ausência desperte a atenção ou produza qualquer ruído.

(texto da orelha do livro que também consta na sinopse do Skoob)

Quando eu solicitei “Sob a Pele” em uma troca, só o que eu sabia sobre a história é o que consta na sinopse acima. Isso foi antes de todo o burburinho causado pelo vazamento de imagens da Scarlett Johansson nua em uma das cenas do filme e da revelação escancarada em todos os veículos de notícia de que a protagonista é uma alienígena (obrigada pelo spoiler!). Bom, quem se aventurar pelas páginas do livro vai acabar descobrindo isso (mas não de cara). Só o que eu digo é: ESQUEÇAM O FILME. A HISTÓRIA DO LIVRO É COMPLETAMENTE DIFERENTE. E INFINITAMENTE MELHOR.

A escrita do Michel Faber é simples, mas suas descrições são ricamente construídas. Embora a narrativa seja em terceira pessoa, o que acompanhamos é a visão de Isserley. Andamos colados nela, conhecemos seus pensamentos, medos e segredos, sofremos com ela. A constante caçada de homens ideais pelas rodovias escocesas vai muito além de um fetiche de serial killer. Não é uma tarefa prazerosa; é trabalho. E a protagonista detesta seu trabalho, assim como detesta a si mesma. Ela tem vergonha de seu corpo deformado especificamente para cumprir sua função. Ao aceitar esse emprego repugnante devido ao desespero, ela não imaginava que teria que lidar com dores excruciantes e frustração, nem que seria transformada em uma aberração que não é nem humana nem representante de sua raça original.

É difícil falar sobre a trama sem revelar (mais) coisas importantes. O grande trunfo do livro é a forma como o autor vai liberando as informações aos poucos, dando espaço ao leitor para exercitar a imaginação e criar hipóteses sobre o assunto real da história. Quando eu achava que já tinha entendido tudo e decifrado o enigma... pimba! Mais um dado desconhecido e crucial era apresentado e eu tinha que repensar minha teoria.

Saber que a protagonista é uma alienígena não quer dizer muita coisa, acreditem. A história passa longe do manjado enredo de naves espaciais e dominação por extraterrestes. Michel Faber conseguiu criar uma narrativa que mistura vários assuntos interessantes e polêmicos e que nos faz pensar no que está sob a pele – não só de Isserley, mas da nossa. Sei que falei, falei, falei e não disse muita coisa, mas não posso contar mais nada. Apenas garanto que é um dos livros mais incríveis que já li e que quem der uma chance a ele não vai se arrepender.

“Isserley observou a mensagem: CLEMÊNCIA. Tratava-se de uma palavra que ela encontrara poucas vezes em suas leituras, e nunca na televisão. Deu tratos à bola tentando traduzi-la, e por fim se deu conta de que aquela palavra não tinha registro na sua língua, era um conceito que pura e simplesmente não existia.”

Um livro que usa a fachada de ficção científica para falar de questões humanas, 100% humanas.

Quem ficou curioso e quer saber mais sobre a história, pode se arriscar a ler as resenhas do Skoob ou uma entrevista muito interessante com o autor (em inglês). Mas prepare-se para talvez descobrir mais do que pretendia.
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FILME: SOB A PELE 

Como no livro, a protagonista (aqui sem nome e vivida por Scarlett Johansson) passa o tempo todo percorrendo as estradas da Escócia atrás de homens. No entanto, na versão filmada da história, a alienígena usa seu corpo escultural para seduzir suas presas e os atrair para casa com a subentendida promessa de sexo. Claro que os machos não resistem e caem na armadilha (no caso, um estranho piso negro que os engole como se fosse areia movediça). O que é feito deles, contudo, ninguém sabe ao certo.


Se, por um lado, Michel Faber conseguiu a proeza de abordar vários assuntos de forma interessante e gerar reflexão, o diretor Jonathan Glazer não se saiu tão bem. Não vi os questionamentos mais importantes do livro no filme, e os poucos que parecem ser apresentados são jogados de forma tão ampla que acabam se perdendo.


A única coisa que não se pode dizer do filme é que é óbvio. Com um visual minimalista de cores fortes e contrastantes, o diretor nos mostra a transformação de uma extraterrestre fria e eficiente em uma criatura curiosa, que busca entender a estranha raça humana e que acaba se deixando influenciar por ela. No processo de humanização, a alienígena passa a lidar com sentimentos até então desconhecidos, o que a coloca em uma posição vulnerável. Descobrir o que tem sob a pele de alguns humanos, no entanto, não é muito bom para ela.


Exibido no Festival de Veneza no ano passado, o filme foi considerado uma obra-prima cult por uns e uma porcaria sem igual por outros. Para mim, foi uma decepção já esperada. Depois de ler o livro do Faber, sabia que seria impossível levar para a tela aquela sensação inquietante e que provavelmente limariam da história uma parte das críticas. Dito e feito.


Vale observar que muito se falou sobre a nudez da atriz, mas que a cena em questão não tem nenhuma conotação sexual. É um momento muito íntimo da protagonista consigo mesma, se admirando pela primeira vez em sua nova pele. Se a mídia queria falar de nudez, poderiam ter explorado o fato de todos os homens caçados pela alienígena aparecem nus e de frente (isso sim é mais raro em filmes). Mas nudez masculina não dá ibope, certo?

Visualmente intrigante, mas com roteiro livre demais. Não me agradou.


Trailer legendado:


3 comentários:

Eliana Lee disse...

Então Mi..........

Ainda não me animei mesmo de ver esse filme. No começo cheguei até a acreditar que ele era apenas desculpa para desnudar de vez Scarlett nas telonas. Mas, enfim... vou assistir um dia.

Com relação ao livro, no entanto, agora que li seu post, fiquei até interessada. Pude perceber como há diferenças gritantes com o que foi vendido pelo cinema e a intenção da narrativa escrita. Gostaria de lê-lo, e tenho a impressão de que vou gostar.

Anônimo disse...

Esse livro ia passar batido. Depois da sua resenha empolgadíssima, estou desde ontem sem tirar a ideia na cabeça de que preciso lê-lo JÁ.

Nivanio JB disse...

Discordo demais da autora da resenha qt à crítica q ela fez ao filme.

Infelizmente, parece q ela não foi capaz de se desapegar do livro e entender que, no filme, tomou-se a liberdade poética de dizer que o alienígena dentro de nós somos nós mesmos (aquela pequena ou grande parcela dentro de cada um de nós que carece de autoconhecimento ou que é oprimida pelo auto-engano. O mistério interior de cada um, desconhecido ou enterrado por nós mesmos).

PS: tb li o livro.