LIVRO: SOB A PELE
Neste livro, Isserley é uma mulher de
compleição singular. Metro e meio de altura, é dona de seios perfeitos,
torneados por generosos decotes. A beleza, entretanto, não se estende ao
restante do corpo. Os braços ossudos e magros terminam em mãos ásperas e estreitas,
repletas de nós. Todo o tronco carece de equilíbrio, como se algo de estranho
existisse em sua constituição física. A bordo de seu Toyota, Isserley atravessa
as rodovias escocesas oferecendo caronas. Só que seu automóvel vermelho é para
poucos. Os escolhidos devem ser obrigatoriamente do sexo masculino e físico
avantajado, abundante em músculos e hormônios. Sob viadutos, em cruzamentos
férreos ou nos postos de gasolina, Isserley não pode falhar. Os espécimes devem
entrar em seu veículo sem ser notados. Assim, poderão 'desaparecer', sem que a
ausência desperte a atenção ou produza qualquer ruído.
(texto da orelha do livro que também
consta na sinopse do Skoob)
Quando eu solicitei “Sob a Pele” em uma troca, só o que eu sabia sobre a história é o
que consta na sinopse acima. Isso foi antes de todo o burburinho causado pelo
vazamento de imagens da Scarlett Johansson nua em uma das
cenas do filme e da revelação escancarada em todos os veículos de notícia de
que a protagonista é uma alienígena (obrigada pelo spoiler!). Bom, quem se aventurar pelas páginas do livro vai acabar
descobrindo isso (mas não de cara). Só o que eu digo é: ESQUEÇAM O FILME. A
HISTÓRIA DO LIVRO É COMPLETAMENTE DIFERENTE. E INFINITAMENTE MELHOR.
A
escrita do Michel Faber é simples,
mas suas descrições são ricamente construídas. Embora a narrativa seja em
terceira pessoa, o que acompanhamos é a visão de Isserley. Andamos colados
nela, conhecemos seus pensamentos, medos e segredos, sofremos com ela. A
constante caçada de homens ideais pelas rodovias escocesas vai muito além de um
fetiche de serial killer. Não é uma
tarefa prazerosa; é trabalho. E a protagonista detesta seu trabalho, assim como
detesta a si mesma. Ela tem vergonha de seu corpo deformado especificamente
para cumprir sua função. Ao aceitar esse emprego repugnante devido ao
desespero, ela não imaginava que teria que lidar com dores excruciantes e
frustração, nem que seria transformada em uma aberração que não é nem humana
nem representante de sua raça original.
É
difícil falar sobre a trama sem revelar (mais) coisas importantes. O grande
trunfo do livro é a forma como o autor vai liberando as informações aos poucos,
dando espaço ao leitor para exercitar a imaginação e criar hipóteses sobre o
assunto real da história. Quando eu achava que já tinha entendido tudo e
decifrado o enigma... pimba! Mais um dado desconhecido e crucial era
apresentado e eu tinha que repensar minha teoria.
Saber
que a protagonista é uma alienígena não quer dizer muita coisa, acreditem. A
história passa longe do manjado enredo de naves espaciais e dominação por
extraterrestes. Michel Faber conseguiu criar uma narrativa que mistura vários
assuntos interessantes e polêmicos e que nos faz pensar no que está sob a pele
– não só de Isserley, mas da nossa. Sei que falei, falei, falei e não disse
muita coisa, mas não posso contar mais nada. Apenas garanto que é um dos livros mais incríveis que já li
e que quem der uma chance a ele não vai se arrepender.
“Isserley
observou a mensagem: CLEMÊNCIA. Tratava-se de uma palavra que ela encontrara
poucas vezes em suas leituras, e nunca na televisão. Deu tratos à bola tentando
traduzi-la, e por fim se deu conta de que aquela palavra não tinha registro na
sua língua, era um conceito que pura e simplesmente não existia.”
Um
livro que usa a fachada de ficção científica para falar de questões humanas,
100% humanas.
Quem
ficou curioso e quer saber mais sobre a história, pode se arriscar a ler as
resenhas do Skoob ou uma entrevista muito interessante com o autor (em inglês).
Mas prepare-se para talvez descobrir mais do que pretendia.
Como
no livro, a protagonista (aqui sem nome e vivida por Scarlett Johansson) passa
o tempo todo percorrendo as estradas da Escócia atrás de homens. No entanto, na
versão filmada da história, a alienígena usa seu corpo escultural para seduzir
suas presas e os atrair para casa com a subentendida promessa de sexo. Claro
que os machos não resistem e caem na armadilha (no caso, um estranho piso negro
que os engole como se fosse areia movediça). O que é feito deles, contudo,
ninguém sabe ao certo.
Se,
por um lado, Michel Faber conseguiu a proeza de abordar vários assuntos de
forma interessante e gerar reflexão, o diretor Jonathan Glazer não se
saiu tão bem. Não vi os questionamentos mais importantes do livro no filme, e
os poucos que parecem ser apresentados são jogados de forma tão ampla que acabam se perdendo.
A
única coisa que não se pode dizer do filme é que é óbvio. Com um visual
minimalista de cores fortes e contrastantes, o diretor nos mostra a
transformação de uma extraterrestre fria e eficiente em uma criatura curiosa,
que busca entender a estranha raça humana e que acaba se deixando influenciar
por ela. No processo de humanização, a alienígena passa a lidar com sentimentos
até então desconhecidos, o que a coloca em uma posição vulnerável. Descobrir o
que tem sob a pele de alguns humanos, no entanto, não é muito bom para ela.
Exibido
no Festival de Veneza no ano
passado, o filme foi considerado uma obra-prima cult por uns e uma porcaria sem
igual por outros. Para mim, foi uma decepção já esperada. Depois de ler o livro
do Faber, sabia que seria impossível levar para a tela aquela sensação
inquietante e que provavelmente limariam da história uma parte das críticas.
Dito e feito.
Vale
observar que muito se falou sobre a nudez da atriz, mas que a cena em questão
não tem nenhuma conotação sexual. É um momento muito íntimo da protagonista
consigo mesma, se admirando pela primeira vez em sua nova pele. Se a mídia queria falar de nudez, poderiam ter explorado o fato de todos os homens caçados pela
alienígena aparecem nus e de frente (isso sim é mais raro em filmes). Mas nudez
masculina não dá ibope, certo?
Visualmente
intrigante, mas com roteiro livre demais. Não me agradou.
Trailer legendado:
3 comentários:
Então Mi..........
Ainda não me animei mesmo de ver esse filme. No começo cheguei até a acreditar que ele era apenas desculpa para desnudar de vez Scarlett nas telonas. Mas, enfim... vou assistir um dia.
Com relação ao livro, no entanto, agora que li seu post, fiquei até interessada. Pude perceber como há diferenças gritantes com o que foi vendido pelo cinema e a intenção da narrativa escrita. Gostaria de lê-lo, e tenho a impressão de que vou gostar.
Esse livro ia passar batido. Depois da sua resenha empolgadíssima, estou desde ontem sem tirar a ideia na cabeça de que preciso lê-lo JÁ.
Discordo demais da autora da resenha qt à crítica q ela fez ao filme.
Infelizmente, parece q ela não foi capaz de se desapegar do livro e entender que, no filme, tomou-se a liberdade poética de dizer que o alienígena dentro de nós somos nós mesmos (aquela pequena ou grande parcela dentro de cada um de nós que carece de autoconhecimento ou que é oprimida pelo auto-engano. O mistério interior de cada um, desconhecido ou enterrado por nós mesmos).
PS: tb li o livro.
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