Nadia e Ange formam
um casal de professores que coloca a profissão acima de tudo. Um dia, percebem
que os alunos e seus pais, os colegas de trabalho e todos os vizinhos estão os
tratando de um jeito estranho, mas não sabem o motivo. Ange é ferido na barriga
e o ferimento parece piorar a cada dia. Para complicar ainda mais a situação, o
vizinho que eles mais detestavam se infiltra na casa e cozinha para eles sem
parar.
O que dizer desse livro? Estranho, bizarro,
perturbador. Não à toa, a sinopse menciona "A
Metamorfose", de Kafka. Guardadas
as devidas proporções, é bem por aí mesmo. Página após página, acompanhamos o
desenrolar de uma história surreal, o comportamento peculiar do casal
principal, personagens grotescos, eventos inacreditáveis e um clima de suspense
angustiante que prende a atenção até o desfecho (esse sim ficou a desejar, na
minha opinião).
O casal de protagonistas se achava superior a todas as
outras pessoas, não se misturava, dizia com orgulho que não sabia do que
acontecia no mundo porque se recusava a assistir televisão (coisa de gente
medíocre, segundo eles), adorava dar festas para esfregar na cara dos outros
seu sucesso e para falar de si mesmos, mas não permitia jamais que outras
pessoas contassem a respeito de suas vidas – nada que não fizesse parte de seu mundinho
particular lhes interessava.
Assim, quando começam a ser tratados com desdém e
violência na escola e nas ruas, se sentem perdidos, mas, novamente, se recusam
a perguntar o motivo (isso seria se rebaixar demais): reconhecer que não sabiam
de algo era vergonhoso para eles, assim como aprender qualquer coisa nova. O
casal é tão detestável que cortou relações com os próprios filhos (frutos de
casamentos anteriores de ambos) para que pudesse viver a vida que julgavam ser
perfeita. Como descobrem a duras penas, evitar o contato com o que lhes
desagradava não fez com que o desagrado sumisse.
A história foca mais em Nadia e sua jornada, enquanto
Ange, ferido, fica confinado à cama, aos cuidados do vizinho rejeitado que,
agora, assume a função de cozinheiro e enfermeiro. Nadia, apesar de ter medo e
resistir àquele intruso, acaba colocando em suas mãos o destino do marido, já
que ela mesma tinha nojo da estranha ferida que ia se alastrando e
transformando o corpo de Ange.
O mais bacana do livro é tentar desvendar a realidade
em meio aos delírios de Nadia, que também começa a se transformar enquanto
revela aos poucos seu passado e tudo o que fez para conquistar sua vida
perfeita. Confesso que ela teve, sim, grande culpa na história, mas não acho
que o marido possa ser isentado de responsabilidade, como dá a entender.
Em todo caso, foi uma leitura intrigante e adorei ser
testemunha da metamorfose de Nadia de mulher insensível e presunçosa em uma
pessoa mais humilde.
"Eu costumava achar que as más reputações nunca são de todo injustificadas, e que, se as reações à fama suspeita podem ser desproporcionais, estúpidas, maldosas, aquilo que a provoca raramente é contestável".
"Eu costumava achar que as más reputações nunca são de todo injustificadas, e que, se as reações à fama suspeita podem ser desproporcionais, estúpidas, maldosas, aquilo que a provoca raramente é contestável".
Este livro faz parte do "Desafio Mulheres e Páginas", criado pelo blog "Elas Leram". O objetivo é ler 1 livro escrito por mulher a cada bimestre, de acordo com os temas. O tema de janeiro/fevereiro é Autoras Negras e, para tanto, escolhi a escritora Marie Ndiaye, a primeira francesa negra a ganhar em 2009 o Goncourt, o maior prêmio literário da França, que há onze anos não
era atribuído a uma mulher.
2 comentários:
Esse enredo me deixou mais que curiosa. A comparação com A Metamorfose só piorou tudo, rsrs.
Pois é... estou ainda remoendo a leitura recém concluída. Desde que iniciei a leitura o livro me prendeu de um modo insano, mas ao terminar a leitura, fiquei me sentindo perplexa, mas pensando na recomendação da orelha do livro para aguardar uns dois dias até que o sentido se consolide.
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