“Miss Representation”, o título
original do documentário, faz um trocadilho bacana, aludindo à cultura das Miss
especialmente forte nos Estados Unidos (e, por extensão às mulheres bonitas) e
soando exatamente igual à palavra “misrepresentation”, que significa uma
representação falsa, distorcida, nesse caso fazendo referência à representação
das mulheres na mídia.
Tudo
começou quando Jennifer Siebel Newson,
a diretora, descobriu que estava grávida de uma menina. Sabendo o quanto é
difícil ser mulher em uma sociedade patriarcal e conhecendo os bastidores da
TV, já que ela mesma trabalhou como atriz durante um bom tempo, ficou
preocupada com o futuro da filha. Como lidar com as adversidades que desde
muito cedo surgem na vida de uma garota? E como sobreviver ao bombardeio de
informações deturpadas que a mídia passa, com os padrões de beleza
inatingíveis, com os comportamentos sociais equivocados? Para tentar entender
um pouco mais sobre o funcionamento dessa indústria e sobre seus efeitos
devastadores, Jennifer foi pesquisar, entrevistar atrizes, apresentadoras de
telejornal, diretoras, políticas e também adolescentes.
A
mensagem que a propaganda prega é clara: mulheres têm seu valor atribuído pela
aparência, portanto devem ser lindas, magras, desejáveis, sensuais. Já os
homens podem ser o que quiserem, e, mesmo que não sejam muita coisa, tudo se
resolve com dinheiro, sem o envolvimento de sacrifícios físicos: basta comprar
um carro, uma roupa, um aparelho tecnológico qualquer que mostre seu status.
Assim,
não é surpresa nenhuma que as mulheres sejam as que mais sofrem de ansiedade, o
que leva a distúrbios alimentares, depressão, automutilação. E, além das graves
consequências que isso tem para a saúde das mulheres individualmente, há um
outro resultado perturbador: a enorme quantidade de tempo gasto perseguindo um
ideal de beleza impossível faz com que o sexo feminino deixe de dar atenção ao
que realmente importa, que é a instrução, o que acaba se traduzindo em um
número reduzido de mulheres em cargos de chefia em empresas e um número mais
insignificante ainda de mulheres na política. Se não há representação de um
grupo no governo, esses indivíduos não existem. E se não há mulheres em
posições de poder e destaque, as mais jovens não têm em quem se inspirar. É uma
bola de neve.
Nos
raros casos em que vemos mulheres na política, o tratamento dispensado a elas é
ofensivo. Não precisamos ir muito longe. Basta dar uma olhada em qualquer
notícia recente sobre a presidente Dilma para ver o festival de insultos e
misoginia. Os esforços para mostrar a mulher como ‘louca’ vão desde a escolha
de palavras na elaboração de um texto jornalístico (dois exemplos dados no
filme: um político X declarou que
está insatisfeito com algo; uma política Y reclamou
de algo) até o uso de imagens fora de contexto.
No
caso do documentário, a diretora mostra algumas das agressões sofridas por Hillary Clinton e Sarah Palin, respectivamente candidatas à presidência e à
vice-presidência dos EUA nas eleições de 2008. Hillary foi julgada por suas
roupas mais conservadoras, seu penteado mais antiquado, sua idade, pelo
escândalo sexual protagonizado por seu ex-marido. Em algumas gravações de seus
comícios, é possível ouvir homens gritando “passe minha camisa”. Sarah, por sua
vez, foi retratada como a mulher bonita com maquiagem e cabelo perfeitos,
várias fotos dela foram tiradas de baixo para cima, para destacar suas pernas,
foi reduzida a um símbolo sexual.
Enfim,
há muitos depoimentos interessantes, alguns bem tristes e revoltantes. Não quero
me estender mais, então vou só deixar alguns dados preocupantes mostrados no
filme para vocês (lembrando que o filme faz referência apenas aos EUA e que foi
lançado em 2011 – imaginem a situação atual...):
- 65% das mulheres têm distúrbio
alimentar
- o
índice de mulheres e garotas com depressão dobrou
entre 2000 e 2010
- 51% dos americanos são do sexo
feminino, mas as mulheres representam apenas 17% do congresso (países como Cuba, China, Iraque e Afeganistão têm
mais mulheres no governo do que os EUA)
- 16% dos roteiristas, diretores,
produtores, editores, diretores de fotografia são mulheres
- 16% dos filmes são protagonizados por
mulheres (mesmo assim, o objetivo delas é encontrar o amor, casar, engravidar -
ou seja, o verdadeiro protagonista continua sendo um homem)
- 1 a cada 4 garotas sofre violência em
encontros com o namorado
- 1 a cada 4 mulheres sofre abuso do
parceiro durante toda a vida
- 1 a cada 6 mulheres sobrevive a um
estupro ou tentativa de estupro; 15% das
que sobrevivem têm menos de 12 anos
Quem
quiser saber mais sobre o filme e sobre o The Representation Project,
iniciativa que visa acabar com os estereótipos de gênero, é só acessar o site,
clicando no link acima. Dá para ver o documentário legendado em português no
Vimeo.
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Sobre
a diretora:
Jennifer Siebel Newson nasceu em San Francisco , Estados Unidos, e atualmente trabalha
como roteirista, diretora e produtora, tendo atuado anteriormente em vários
filmes e séries de TV. “Miss
Representation” foi seu primeiro trabalho como diretora e ganhou vários
prêmios pelo mundo. Seu segundo documentário, “The Mask You Live In”, estreou em 2015 no Festival de Sundance, e
fala sobre como nossa definição cultural de masculinidade está afetando
negativamente meninos, homens e toda a sociedade. Atualmente, ela trabalha em
seu terceiro filme: “The Great American
Lie”.
Este post faz parte do projeto Veja Mais Mulheres, criado pela Cláudia Oliveira. Para ver o post de apresentação que inclui minha lista de filmes e os links para as respectivas postagens, clique AQUI.
Um comentário:
Preciso ver esse documentário.
Achei a ideia muito interessante.
Beijos,
Carissa
www.carissavieira.com.br
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