Em
um planeta não identificado, os seres humanos evoluíram a tal ponto de viverem
em harmonia uns com os outros e com a natureza. De tempos em tempos, eles
escolhem representantes para visitar outros planetas a fim de averiguar o que
se passa por lá e para auxiliar outros seres a atingirem uma vida plena. Enquanto
as excursões para diversos pontos da galáxia conseguem vários candidatos,
ninguém se arrisca a ir à Terra há 200 anos. Desta vez, no entanto, Mila se voluntaria por motivos pessoais a dar uma chegadinha ao planeta azul, e então
começam as confusões.
Nesse
planeta perfeito, as pessoas cuidam umas das outras e do meio ambiente;
plantam, colhem, dormem ao ar livre ou em tocas; estudam por prazer; dão à hora
de lazer a mesma importância do horário de trabalho; desenvolveram a telepatia.
A visão da evolução humana mostrada no filme é um tanto hippie, mas não deixa
de enaltecer valores realmente importantes. Uma das coisas cruciais
que permitiu a criação dessa sociedade foi a extinção do dinheiro, o que levou
ao fim das desigualdades sociais e à relativização da significância de uma
pessoa com base no que ela possui, no cargo que ela ocupa, nas relações de
influência que tem com as demais. E, claro, como ninguém precisa acumular
riqueza, sobra mais tempo a ser gasto com outras atividades.
Enfim...
quando Mila (Coline Serreau) chega à Terra, aterrissa na Paris do século
XX. Fica imediatamente evidente o quão deslocada ela está, já que da última vez
que alguém do seu planeta pisara ali Napoleão estava no poder (e ela vem toda
imponente em seu ‘vestido império’, que julgava estar na moda). Ela pede
informação às pessoas, e todos a tratam como louca; todos parecem apressados
demais para prestar atenção; irritados demais para serem gentis; importantes
demais para perder tempo com uma desconhecida. O único que realmente a ouve e
se interessa por ela é um garotinho, que troca as moedas de ouro dela por
cédulas de dinheiro e ainda lhe dá o hambúrguer que estava comendo (e que a faz
passar terrivelmente mal do estômago).
Mila
se envolve em muitas situações engraçadas devido à sua inadequação e
desconhecimento das regras sociais em vigor. O que torna o filme especial, entretanto,
é que essas situações não são gratuitas nem forçam o humor; elas servem
justamente para criticar alguns comportamentos que consideramos 'normais', mas
que não fazem sentido. Por exemplo: Mila pede para olhar a bolsa de uma mulher
(porque não entendia o motivo de as pessoas estarem sempre carregando coisas
consigo); entre os objetos, encontra um batom. Pergunta à moça a utilidade
daquilo, ao que a outra responde que era para ficar bonita, para agradar aos
outros, para ser amada. Mila, então, ao observar rapidamente fotografias da
família da moça exibidas pela casa, nas quais ela era a única pessoa do sexo
feminino, solta a pergunta: ‘Mas por que os demais não estão usando batom? Eles não querem ficar bonitos? Não querem ser amados?’
Outro
ótimo momento é quando ela vai ao hospital e segura um bebê nos braços para se
recarregar (já que não conseguia comer nada e assim conseguia adquirir energia
vital). A criança havia sido abandonada pela mãe, uma imigrante ilegal, que
estava sendo procurada. Rola um mal-entendido entre Mila e a equipe do
hospital, e o obstetra, com ar de superioridade, humilha a turista espacial e a
enfermeira que a havia deixado entrar no berçário. Usando seus poderes
telepáticos, Mila mexe na mente dele e o obriga a dizer a verdade. Quando a
parteira aparece para chamá-lo para fazer um parto, ele começa a dizer que era
ela quem deveria fazer; que dos inúmeros partos que fez na vida, nunca
respeitou o tempo da mãe nem da criança, que usou técnicas questionáveis e
violentas, que só fazia as coisas pelo dinheiro. Uma crítica e tanto à postura
médica e à forma como os partos são realizados atualmente, não?
O
final foi um pouco romantizado demais para o meu gosto, mas a ideia geral do
filme e as questões levantadas me agradaram bastante. Mesmo sendo um filme de
20 anos atrás, continua sendo bem atual, infelizmente.
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Sobre
a diretora:
Coline Serreau é uma atriz, roteirista
e diretora francesa nascida em 1947.
Seu primeiro filme foi o documentário Mais qu'est-ce qu'elles veulent? (Mas o que a mulheres
querem, afinal?), de 1978, com entrevistas de mulheres com as mais diversas
origens e histórias de vida, que deixou as pessoas atônitas com a sinceridade
mostrada na tela. Desde então, Coline tem se dedicado a projetos de cunho
feminista, desde seus sucessos mais comerciais (como os filmes da série “Três solteirões... (e um bebê, uma
pequena dama)”, que já mostravam de um jeito engraçado as dificuldades da maternidade vividas por homens) até produções com um enfoque mais dramático (como “Caos”, no qual um casal testemunha uma
prostituta ser agredida por seu cafetão; enquanto o marido prefere fingir que
não viu nada, a esposa vai procurar a moça no hospital no dia seguinte).
Mais uma
diretora que quero conhecer melhor.
Este post faz parte do projeto Veja Mais Mulheres, criado pela Cláudia Oliveira. Para ver o post de apresentação que inclui minha lista de filmes e os links para as respectivas postagens, clique AQUI.
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