Li 'Dançarinas' no ano passado, mas então
emprestei o livro e só agora combinei com a Lulu (leia a resenha dela AQUI), minha parceira no Desafio
Lendo Margaret Atwood, de postar nossas opiniões. Obviamente, as impressões
mais imediatas e vibrantes já se perderam nesse tempo todo. De qualquer forma,
esse foi o livro da autora que menos me agradou até o momento. O volume inclui 14
contos que têm, em sua grande maioria (12 contos), mulheres como protagonistas,
mulheres com personalidades e estilos de vida diferentes, porém unidas pela
mesma dor.
Do
total de 14 contos, achei 3 realmente excelentes, pois conseguem sintetizar
todas as questões que os demais abordaram de forma mais superficial ou parcial.
'O
marciano’, texto que abre o livro, fala de uma moça que começa a ser perseguida
por um cara estranho na universidade. A princípio ela fica com medo, afinal,
maníacos não faltam no mundo, mas depois começa a se achar especial, pois,
mesmo de um jeito distorcido e perturbador, alguém finalmente havia notado sua
existência. Christine, a protagonista, exemplifica bem alguns problemas
enfrentados pelo sexo feminino, pois não atendia aos padrões de beleza (era
gorda), era constantemente comparada com as irmãs (lindas e casadas) e, embora
fosse boa amiga e conselheira, seus colegas jamais a enxergavam como mulher.
Não à toa, a atenção (ainda que indesejada) que ela recebe do perseguidor lhe
parece elogio. Outro ponto importante que a autora toca em ‘O marciano’, e em várias
outras, é a culpabilização da vítima (Christine é perseguida e, em determinado
momento, começa a achar que a culpa era dela, pois era ela quem via o rapaz em
todo canto).
No
conto seguinte, ‘Betty’, também um dos meus preferidos, um casal passa a
conviver com a vizinha de outro andar que apanhava do marido pelos motivos mais
bestas. A nova vizinha conquista todos na casa, especialmente as duas filhas de
Betty, que veem na visitante uma mulher em quem se inspirar, já que a mãe era
uma simples dona de casa com um defeito físico nas pernas e que escondia toda
sua dor e tristeza por trás da máscara sorridente e bem-educada que usava em
todas as ocasiões. Aqui, mais uma vez, a mulher é a culpada: quando não é
atraente, quando não é divertida, quando é vítima de violência, quando o
casamento se desfaz.
O
último conto, ‘Dar à luz’, é o terceiro que me conquistou, com as cutucadas
ácidas e jatos frios de realidade para tratar de um assunto que geralmente é
romantizado: maternidade. Na história, temos o julgamento de uma mulher por
suas escolhas na hora de botar outro ser vivo no mundo e de como cuidar dele. O
pior de tudo: o julgamento é feito por outras mulheres, demonstrando a falta de
empatia que domina as relações. Vou deixar um trecho aqui para vocês:
“Mas quem dá? E a quem é dada a luz?
Certamente não parece que se dá alguma coisa, o que implicaria um fluxo, um
gesto suave de entrega, sem coerção. Mas quase não há gentileza nisso, é demasiado
estrênuo, o ventre contraído como um punho fechado, espremendo-se, o ritmo
laborioso do coração, cada músculo do corpo movendo-se tenso, como na filmagem
em câmera lenta der um salto em altura, o corpo sem rosto alça voo, se torce,
paira por um instante no ar, e então – de volta ao tempo real – o mergulho, o ímpeto
para baixo, o resultado, talvez a frase tenha sido escrita por alguém que viu
apenas o resultado: no caso, as fileiras de bebês a quem foi dada a luz,
deitados como pacotinhos bem-feitos em cobertores enrolados com perícia, rosa
ou azuis, suas etiquetas presas com fita adesiva aos bercinhos de plástico
transparente, do outro lado do janelão de vidro.”
Os
demais contos, embora não tenham me impactado tanto, também têm algo a
acrescentar nesse balaio de situações desfavoráveis para as mulheres: são
sempre idealizadas e essa versão fantasiosa torna as pessoas reais desinteressantes,
falhas e descartáveis; suas conquistas são sempre menores; têm sempre que
atender a algum padrão (se não forem magras, bonitas, sorridentes, casadas e
capazes de gerar filhos, não têm valor). E nesse jogo de desencontros, todos
acabam infelizes e solitários.
Nota:
3/5
2 comentários:
O livro começa com o melhor conto (O Marciano) e acabou dando certa esperança nos próximos. Pena que não foi assim. Michelle, gostamos praticamente dos mesmos contos. Nesses contos que você destacou, acredito que a autora consegue passar muito bem a situação dessas mulheres, do que se espera delas e dos riscos que elas correm. Por essas séries de padrões impostas ao nosso gênero, vemos como somos tratadas como um mero objeto. Como sempre, ótima resenha! E obrigada pela companhia! (^_^)
Nosso projeto lindo! <3
Beijos!
Lulu,
Exatamente! O primeiro conto é excelente e, somando isso à experiência positiva que tive com os romances da autora, a expectativa era altíssima (sinal claro de grandes chances de decepção...).
Mas foi só o primeiro livro de contos. Veremos o desempenho dos próximos.
E obrigada mais uma vez por embarcar nessa comigo!
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