“Grande
Irmão” é a história de Edison, ex-pianista famoso que enfrenta a falência e a
obesidade e vai morar na casa da irmã mais nova, Pandora, mudando a rotina da
família dela, criando conflitos por causa de seu tamanho avantajado e de sua
boca grande e a colocando em uma situação delicada com o marido quando os laços
fraternos ameaçam falar mais alto que os matrimoniais.
Edison
sempre foi o ídolo de Pandora: o irmão mais velho, esperto, talentoso, que saiu
de casa aos 17 anos para ganhar a cidade grande, tocar com nomes importantes do
jazz e arrasar corações. Por isso, é com muito espanto e tristeza que Pandora
reencontra o irmão no aeroporto após alguns anos sem contato – ela nem o
reconhece em seu novo corpo de mais de 170 quilos. Mesmo contra a resistência
do marido, ela convida o mano a passar um tempo em sua casa, afinal... irmãos
são para essas coisas, não?
Só
que, não bastasse o choque de ter em casa um parente gigantesco e praticamente
estranho aos seus enteados e marido, o comportamento do hóspede não é dos mais
fáceis de aturar: Edison acabava com o estoque de comida de um mês em apenas
alguns dias, deixava toda a louça suja esparramada pela cozinha e, o pior de
tudo, só se gabava de suas façanhas, desdenhando do trabalho da irmã e do
cunhado, ridicularizando a vida pacata do interior, incitando o sobrinho
adolescente a abandonar a escola. Quando dois meses de caos sem perspectiva de
mudança estavam terminando, Fletcher, o marido de Pandora, lhe dá um ultimato:
ou ela botava o irmão em um avião e o mandava de volta a Nova York ou
enfrentaria um divórcio. E então, o que ela deveria fazer?
O peso é uma característica determinante de uma pessoa, tanto que é fundamental na descrição de personagens de um livro ou no retrato falado de um testemunho policial. O curioso é que, quanto mais obesa uma pessoa é, mais invisível ela se torna aos olhos dos outros, sendo notada apenas como alvo de chacotas ou causadora de incômodos.
O
livro é muito interessante ao mostrar a inversão dos papéis: enquanto o irmão
mais velho, renomado e egocêntrico vê sua imagem e importância desmoronarem gradualmente diante da irmãzinha, ela, uma pessoa que sempre buscou nele inspiração, que
tentava ser anônima a todo custo e que jamais se impunha, cresce dia a dia,
assumindo o controle da dieta do irmão (e sua também), ditando ordens ao
maninho, mostrando que também era bem-sucedida, embora seu sucesso não fosse
resultado de um “dom”, e sim de muito trabalho.
A
autora conseguiu tratar de um assunto sério e atualíssimo, mostrando os
diversos aspectos envolvidos sem ser chata, técnica demais ou piegas. De forma
clara, ela expõe a insanidade da cultura americana (e da sociedade globalizada
como um todo), que consome cada vez mais alimentos industrializados e em
porções cada vez maiores ao mesmo tempo em que impõe um ideal de beleza
inatingível, com numerações de roupa cada vez menores. Ou então vai pelo caminho
oposto e aumenta a proporção de tudo (móveis, carros, roupas), fazendo com que
os gordos se sintam menos gordos e percam a noção do quanto estão acima do
peso, já que “O tamanho é relativo. Quando todos são gordos, ninguém é gordo”.
Além
dos problemas de saúde e de ordem prática (não caber na poltrona do avião,
dificuldade de encontrar uma cadeira que aguente o peso em restaurantes), o
preconceito contra os obesos e os sentimentos conflitantes que eles geram
também são abordados por Shriver (raiva, nojo, pena). A autora também aponta as
dificuldades para o convívio social de quem faz uma dieta altamente restritiva
- já repararam que toda comemoração envolve algum tipo de comida e/ou bebida?
Mais do que manter nosso corpo em funcionamento, as refeições marcam grandes
eventos de nossas vidas e, para algumas pessoas, deixam de ser um prazer e se
tornam um vício, uma válvula de escape.
Este
foi meu primeiro livro da Lionel Shriver e adorei a forma simples e direta como
ela escreve e as reflexões que ela propõe. O final foi algo totalmente
inesperado e ousado. E, sim, o tema principal é a obesidade, mas é também a
história de uma família, com as dores e alegrias que esse pequeno universo
proporcionam. Acho que já passou da hora de tirar os outros livros da autora da
estante...rs.
"Apesar de não ser nenhum prodígio ao piano, a menina tinha uma sensibilidade precoce que viria a ser a sua realização, ou que a condenaria pela vida afora como um alvo fácil. Esse foi um daqueles momentos em que ela se distinguia, porque tinha instintos perfeitos. Só levou um instante para avaliar a situação e, em seguida, correu para meu irmão, exclamando 'Oi, tio Edison!', e lhe deu um abraço sincero. Ele retribuiu o abraço, com força. Fiquei pensando em quantas vezes, nos últimos tempos, alguém o teria abraçado daquele jeito - com alegria e afeição, sem nenhum vestígio de desagrado. Desejei tê-lo abraçado assim, eu mesma."
Para
quem gosta de histórias que têm os dois pés fincados na realidade. Um olhar
crítico sobre um problema que não para de crescer, apresentado com aquela
cumplicidade que só os irmãos têm.
11 comentários:
Mi,
só em ler sua resenha, já me deu um incômodo total. Eu fico imaginaod os sentimentos que o livro nos leva a ter com uma história dessas, tão real, não é? Anotado aqui na lista de compras, pq olha, deve valer muito a pena!
beijos
Fiquei com um pé atrás com esse livro porque tinha medo de que a narradora soasse muito "gordofóbica", mas sua resenha me despertou a vontade de ler :P
Você devia ler Precisamos falar sobre o Kevin, é muito bom!
Fiquei curiosa por este livro desde o lançamento. O "Precisamos falar sobre Kevin" achei pesado não só no tema: em alguns momentos, achei trechos desnecessários. Mas ambos abordam temas bastante atuais. É uma autora que vale a pena conhecer.
Quero muito ler Lionel Shriver esse ano. São muitas pessoas elogiando os livros dessa autora, mas pretendo começar por Precisamos falar sobre Kevin!!
bjão
oie Mi
amo a escrita da Lionel, apesar de achar que seus livros são pra poucos, pois nem sempre sua narrativa é tão fluida. Já li dois livros dela, e o que eu mais gostei foi Precisamos falar sobre Kevin.
Bjos
www.mybooklit.com
OI Mi
Tenho a impressão que este nao é tão pesado quanto Kevin...aquele foi um soco no estômago!
Esta na lista dos super desejados
Bjks mil
Adorei a sua resenha e admiro muito a escrita da Lionel Shriver. Tenho aqui dois livros dela: Precisamos falar sobre o Kevin e Tempo é Dinheiro, que ainda não li e fiquei super interessada em " O Grande Irmão", pois o tema é atualíssimo e a história me encantou. Um beijo!
Ilmara Fonseca
Blog Conversa de Livro
www.conversadelivro.blogspot.com.br
Quero ler esse livro então vou ver sua resenha depois tá Mi?
Mas só de saber que você deu quatro estrelas já fiquei curiosíssima :D
Beijão!
Rachel,
É uma mistura enorme de sentimentos. Às vezes dá raiva do Edison, outras vezes dá pena. E não só dele. Da Pandora e do marido dela também. São personagens muito reais, sabe?
Lígia,
Pode ler sem medo. Não tem nada de gordofobia :)
Sarah,
Eu não achei a escrita arrastada e o assunto, embora sério, é tratado de uma forma delicada, com momentos engraçados e outros tensos.
Mel,
Coloquei Precisamos falar sobre Kevin na minha lista de leituras deste ano. Vamos ver se rola...
Jacque,
Já ouvi reclamações sobre a fluidez do texto da Lionel, mas não senti isso nesse livro, viu?
Clau,
Acho que deve ser mais leve, mas não menos importante e questionador. Vale a pena!
Ilmara,
Nem te falo que tenho todos os livros da autora aqui e ainda não tinha lido nada. Gostei muito desse primeiro contato e quero mais!
Tenho bastante interesse em ler os livros da Lionel Shriver, só pelas sinopses a vontade de ler é grande, mas fico adiando por saber que vai ser 'um tapa na minha cara' os assuntos abordados por ela.
Um que quero ler - em breve, quem sabe esse ano? - é Precisamos falar sobre o Kevin, preparando o meu psicológico desde já ;X
Beijos!
Desde que eu assisti ao filme "Precisamos Falar Sobre Kevin" e este se tornou um dos meus preferidos, me interessei em ler todos os livros de Lionel Shriver, mas por algum motivo nem esse [Kevin] eu consegui ler ainda. Então quando "Grande Irmão" foi lançado, apesar de a princípio não me interessar muito pela premissa, quis ler pela autora e agora, ao ler essa resenha, entendi melhor do que o livro se trata e mesmo que esse tipo de história não seja exatamente como eu costumo gostar, me interessei pelo modo como a autora expôs essa temática e a forma como a história foi desenvolvida. Eu ainda me interesso mais por outros títulos da autora, mas esse também entrou para a minha lista, quero muito ler. ;D
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