Duas
garotinhas são encontradas mortas, violentadas e espancadas em um porão. Quatro
anos depois, o assassino das meninas foge da prisão. Com um passado de crimes semelhantes, a polícia sabe que é só uma questão de tempo até o monstro atacar
mais alguma criança. Infelizmente, os esforços policiais não são suficientes
para impedir mais uma morte. A indignação da população é amplificada pela
cobertura sensacionalista do caso e uma caçada à besta é iniciada. Como
controlar a raiva daqueles que se sentem abandonados pelas autoridades? Como
aliviar a dor de um pai que acabou de reconhecer sua filha no IML com
estratégias de busca?
O
livro levanta muitas questões importantes para as quais não há consenso e,
desde o início, já dá mostras de que o desfecho da história fatalmente será
trágico e nem totalmente satisfatório. De modo envolvente, a dupla de escritores Roslund e Hellström apresenta ao leitor uma situação por si só revoltante:
uma série de crimes sexuais contra crianças. Para piorar, eles revelam as
falhas dos sistemas judiciário e carcerário, que, mesmo diante de uma pessoa com
histórico de crimes do mesmo tipo e atestado psiquiátrico que comprova seu
desequilíbrio, não conseguem manter o culpado preso e que, dentro das prisões,
não conseguem manter a integridade do interno.
Com
a crescente sensação de impunidade, não é de se espantar quando a população
decide fazer justiça com as próprias mãos, tendo como exemplo um pai justiceiro
que foi inocentado pelo júri e se transformou em herói. É muito fácil se
identificar com a revolta pública mostrada do livro e, em certos momentos, é
impossível não torcer por eles, não desejar estar lá para dar o exemplo também.
Após a contínua repetição de atrocidades sem a
condenação adequada, é compreensível a aceitação da política de "olho por
olho, dente por dente". Claro que isso é moralmente inaceitável, mas é
complicado não pensar assim quando nos sentimos totalmente desprotegidos por
aqueles que deveriam zelar por nossa segurança. A reflexão proposta é exatamente
essa: o que diferencia o assassino da garota dos habitantes que saíram caçando
criminosos por conta própria? Em que momento eles deixaram de ser vítimas e se
transformaram em monstros?
Um
dos personagens mais bacanas do livro é o jovem advogado Lars Ågestam, ávido por
conseguir um caso de grande projeção que pudesse alavancar sua carreira. Ao ser
designado para o caso do pai justiceiro, Lars de fato consegue ficar sob os
holofotes, mas também se vê pela primeira vez diante de um dilema: culpar o réu
severamente para mostrar que todos os crimes são igualmente puníveis ou
inocentá-lo devido às circunstâncias? Cumprir rigorosamente a lei significava
ir contra a opinião popular (que já estava bem exaltada); aliviar a pena seria
como dar o aval para a barbárie – o que fazer? Como Lars logo percebe, nem toda
fama é boa.
A
estrutura do livro é bem parecida com a de outras obras suecas que li, com a
introdução de todos os personagens antes do início da ação propriamente dita.
Parágrafos do criminoso são intercalados com a visão das primeiras vítimas, dos
policiais, de outro prisioneiro, do pai da última menininha morta. Pode parecer
meio confuso à primeira vista, já que não há diferenciação tipográfica nem percepção imediata de quem é quem, mas aos poucos conseguimos identificar
os atos de cada um. O uso dessa estrutura torna a leitura um pouco mais lenta
nas primeiras páginas, mas, assim que a ação começa, não há respiro. Eu já fui
fisgada logo nas primeiras 15 páginas e a tensão só aumentou durante a leitura.
Foi um ótimo primeiro contato com a escrita de Roslund e Hellström.
Outra
característica que eu já tinha observado em livros suecos é a forte crítica ao
circo criado pela mídia. De diferente, notei que a trama de ‘A Besta’ se desenrola no escaldante
verão escandinavo, que acaba se tornando um personagem importante, sendo tão ou mais
opressivo que as gélidas e cinzentas paisagens que seriam esperadas nesse
cenário. Como peculiaridades da escrita, destaco sequências de palavras
repetitivas ou alinhamento de vários adjetivos sem vírgulas e uso de linguagem
vulgar e termos e gírias de cadeia – o que ajuda a criar o clima pesado, mas
pode incomodar alguns leitores.
Anders Roslund é um premiado jornalista
sueco. Börge Hellström é um
ex-criminoso que atualmente se dedica a reabilitar jovens delinquentes e
viciados. ‘A Besta’ é o primeiro
trabalho da dupla e ganhou o The Glass
Key 2004 (prêmio escandinavo de melhor livro policial) e o The Gold Pocket Award 2005 (mais vendido
no formato brochura).
“O
ser humano é o único mamífero que aniquila a si mesmo. Um ser humano pode odiar
outro, pode assassinar outro, um ser humano pode arriscar a existência de toda
a espécie, o ser humano é um animal diabólico – o único – com essa
autodestrutividade, é assim e nós nunca poderemos entender.”
Um
livro que dá raiva, nojo, tristeza, mas que é impossível de largar.
Recomendadíssimo!
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6 comentários:
Ai, ai, ai, só vc Michelle para fazer a minha lista de desejados aumentar, kkkkkk.
ADorei a resenha e fiquei bem interessada no livro. Vou procurar! :)
Bjs
Noss! Gostei bastante, principalmente da parte da fraqueza do Sistema Judiciário. Vou colocar como desejado. Nunca li, que eu lembre, algo sueco.
Resenha excelente, esclarecedora na medida.
Beijos
Menina... que livro é esse? rs Ao mesmo tempo que fiquei com vontade de ler, fiquei meio assustada de pensar na narrativa inteira...
Oiee ;)
apesar da tua resenha ótima, não quero ler o livro por ser muito forte, sou fraca para leitura sério, e o assunto é tão real e presente no nosso dia a dia que fico até triste só em pensar :/
Beliscões da Máh♥
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Hannah,
Acho que você vai gostar, viu?
Flávia,
Suecos são mestres do suspense. Meus favoritos atualmente.
Eliana,
É muito incômodo, mas igualmente envolvente.
Maria,
É triste. Muito. Mas acho importante encarar a realidade às vezes. Faz a gente questionar algumas coisas.
Olá Michelle
Acabei de ler o livro no LV e vim conferir sua resenha, que por sinal está ótima.
O livro realmente levanta muitas questões importantes, questões para as quais ainda procuro a resposta dentro de mim. Pra mim a questão mais importante que o livro deixou é:Quem é a Besta?
Também adorei o Lars Ågestam, fiquei curiosa pra saber como ele reagiu ao ocorrido no final.
Esse livro é o primeiro da série Sundkvist e Grens, e eu comprei já tem um tempo em uma feira do livro o segundo volume, Box 21. Em breve vou lê-lo.
As peculiaridades da escrita, como você descreve na resenha, me incomodaram um pouco, mas com a leitura foi possível se acostumar.
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