Impossível
falar de Salinger sem mencionar sua obra-prima, "O Apanhador no Campo de
Centeio". O livro que o lançou ao estrelato também foi o início do fim:
desde a publicação do romance o autor foi se tornando cada vez mais
introspectivo, mais avesso à imprensa e mais distante dos poucos amigos que
cultivava. David Shields e Shane Salerno tentam, nesta biografia do mito,
responder a três perguntas fundamentais: 1) Por que Salinger deixou de
publicar?, 2) Por que ele desapareceu? 3) O que ele escreveu nos últimos 45
anos de sua vida?
Salinger
nasceu e passou sua infância e adolescência em Manhattan. Vindo de uma família
rica, ele tinha o que se pode chamar de ‘vida perfeita’. Em certo momento, isso
começou a incomodá-lo, já que ele queria ser escritor, mas lhe faltavam
experiências de vida. Desestimulado pelo pai, ele entra naquela fase de
rebeldia juvenil e faz o que lhe parecia ideal para desafiar os limites
paternos e adquirir vivência: se alista no exército em plena Segunda Guerra.
Apesar
da função supostamente 'mais leve' que exercia como parte do grupo de
contrainformação (ele não tinha que pegar em armas nem ir para as frentes de
batalha), em determinado momento a realidade do conflito acaba lhe atingindo em
cheio quando seu grupamento fica preso em uma floresta e centenas de soldados
americanos são mortos. Os traumas de guerra ficam então permanentemente
gravados na memória de Salinger e o afetam pelo resto da vida. No entanto,
Salinger conseguiu dois grandes feitos durante sua permanência nos campos de batalha:
escreveu grande parte de “O apanhador...” nesse período (era sempre
visto carregando sua máquina de escrever por todo lado) e conheceu Ernest
Hemingway (escritor que admirava).
As
profundas mudanças causadas pela guerra somadas à fama avassaladora alcançada
logo após o lançamento de “O Apanhador...” se tornaram um peso grande demais para
o jovem e tímido escritor, que passa a seguir cada vez mais os preceitos da
religião vedanta. No campo sentimental, ele tem sua primeira decepção amorosa
com Jean Miller, de catorze anos, e isso é tão marcante que ele acaba reproduzindo o
padrão de envolvimento com mulheres muito mais jovens durante toda sua existência.
Outros
aspectos abordados no livro são as similaridades entre autor e personagem (até
que ponto as ações de Holden Caufield são as ações de Salinger?), a recorrência
de personagens em diversas histórias, a obsessão do autor com a escrita (ele
jamais deixou de escrever, só não queria publicar), a insanidade de seus fãs e
da imprensa atrás de qualquer declaração/imagem do escritor e a dura rotina
cheia de negligência imposta a seus filhos e esposas. Se como autor Salinger é
um ícone reverenciado por inúmeros escritores e cineastas, no âmbito familiar
ele deixava muito a desejar.
O
livro é composto por depoimentos, cartas, notícias e entrevistas de mais de 200
pessoas ligadas de alguma forma a Salinger, incluindo colegas de escola,
companheiros de exército, críticos literários, editores, familiares, além de
comentários de fãs ilustres, como Edward Norton, John Updike, Philip Roth e
Joyce Carol Oates, entre outros. O material foi reunido ao longo de 9 anos.
Apesar
de a estrutura do livro parecer um pouco confusa no início (trechos de
comentários de várias pessoas são intercalados durante toda a narrativa),
consegui alcançar um bom ritmo de leitura assim que parei de prestar atenção em
quem estava falando o que. É gente demais para registrar na memória. O problema
é que, embora a leitura tenha sido interessante e fluida, às vezes o conteúdo
era um pouco repetitivo, já que a pessoa X falava um pouco sobre Salinger e a
guerra e, algumas páginas adiante, a pessoa Y fazia o mesmo tipo de comentário.
Talvez o fato de haver tão pouco material publicamente disponível sobre o autor
tenha levado Shields e Salerno a selecionar tanta gente falando sobre as mesmas
coisas (para comprovar um ponto de vista?). Não sei. O fato é que, para mim, o
texto poderia ser mais enxuto.
Além
da biografia impressa, Shane Salerno também rodou o documentário “Memórias de
Salinger” (veja o trailer AQUI) ao mesmo tempo em que preparava o livro com o parceiro. Estreou no
ano passado aqui no Brasil, mas ficou em cartaz por pouco tempo e em um número
reduzido de salas. Não consegui ver, mas quero conferir quando sair em DVD.
“Estou
neste mundo, mas não pertenço a ele”.
- J.
D. Salinger -
2 comentários:
Tava super ansiosa pela sua resenha e agora fiquei na dúvida se leio ou vejo o filme rsrs
Vou reler O apanhador justamente pra fazer um par com a biografia, mas ainda to vendo se vale a pena ler.
Sua resenha está incrível, mas tive a impressão que essa biografia é maior do que deve ser.
Beijo enorme!
Tati,
O livro é bacana e adorei descobrir várias coisas sobre o Salinger, mas realmente acho que os autores poderiam ter eliminado alguns depoimentos repetitivos.
Depois me conta se assistir ao filme, tá?
Postar um comentário