quinta-feira, 6 de março de 2014

Resenha: Salinger


Impossível falar de Salinger sem mencionar sua obra-prima, "O Apanhador no Campo de Centeio". O livro que o lançou ao estrelato também foi o início do fim: desde a publicação do romance o autor foi se tornando cada vez mais introspectivo, mais avesso à imprensa e mais distante dos poucos amigos que cultivava. David Shields e Shane Salerno tentam, nesta biografia do mito, responder a três perguntas fundamentais: 1) Por que Salinger deixou de publicar?, 2) Por que ele desapareceu? 3) O que ele escreveu nos últimos 45 anos de sua vida?

Salinger nasceu e passou sua infância e adolescência em Manhattan. Vindo de uma família rica, ele tinha o que se pode chamar de ‘vida perfeita’. Em certo momento, isso começou a incomodá-lo, já que ele queria ser escritor, mas lhe faltavam experiências de vida. Desestimulado pelo pai, ele entra naquela fase de rebeldia juvenil e faz o que lhe parecia ideal para desafiar os limites paternos e adquirir vivência: se alista no exército em plena Segunda Guerra.

Apesar da função supostamente 'mais leve' que exercia como parte do grupo de contrainformação (ele não tinha que pegar em armas nem ir para as frentes de batalha), em determinado momento a realidade do conflito acaba lhe atingindo em cheio quando seu grupamento fica preso em uma floresta e centenas de soldados americanos são mortos. Os traumas de guerra ficam então permanentemente gravados na memória de Salinger e o afetam pelo resto da vida. No entanto, Salinger conseguiu dois grandes feitos durante sua permanência nos campos de batalha: escreveu grande parte de “O apanhador...” nesse período (era sempre visto carregando sua máquina de escrever por todo lado) e conheceu Ernest Hemingway (escritor que admirava).

As profundas mudanças causadas pela guerra somadas à fama avassaladora alcançada logo após o lançamento de “O Apanhador...” se tornaram um peso grande demais para o jovem e tímido escritor, que passa a seguir cada vez mais os preceitos da religião vedanta. No campo sentimental, ele tem sua primeira decepção amorosa com Jean Miller, de catorze anos, e isso é tão marcante que ele acaba reproduzindo o padrão de envolvimento com mulheres muito mais jovens durante toda sua existência.

Outros aspectos abordados no livro são as similaridades entre autor e personagem (até que ponto as ações de Holden Caufield são as ações de Salinger?), a recorrência de personagens em diversas histórias, a obsessão do autor com a escrita (ele jamais deixou de escrever, só não queria publicar), a insanidade de seus fãs e da imprensa atrás de qualquer declaração/imagem do escritor e a dura rotina cheia de negligência imposta a seus filhos e esposas. Se como autor Salinger é um ícone reverenciado por inúmeros escritores e cineastas, no âmbito familiar ele deixava muito a desejar.

O livro é composto por depoimentos, cartas, notícias e entrevistas de mais de 200 pessoas ligadas de alguma forma a Salinger, incluindo colegas de escola, companheiros de exército, críticos literários, editores, familiares, além de comentários de fãs ilustres, como Edward Norton, John Updike, Philip Roth e Joyce Carol Oates, entre outros. O material foi reunido ao longo de 9 anos.

Apesar de a estrutura do livro parecer um pouco confusa no início (trechos de comentários de várias pessoas são intercalados durante toda a narrativa), consegui alcançar um bom ritmo de leitura assim que parei de prestar atenção em quem estava falando o que. É gente demais para registrar na memória. O problema é que, embora a leitura tenha sido interessante e fluida, às vezes o conteúdo era um pouco repetitivo, já que a pessoa X falava um pouco sobre Salinger e a guerra e, algumas páginas adiante, a pessoa Y fazia o mesmo tipo de comentário. Talvez o fato de haver tão pouco material publicamente disponível sobre o autor tenha levado Shields e Salerno a selecionar tanta gente falando sobre as mesmas coisas (para comprovar um ponto de vista?). Não sei. O fato é que, para mim, o texto poderia ser mais enxuto.

Além da biografia impressa, Shane Salerno também rodou o documentário “Memórias de Salinger” (veja o trailer AQUI) ao mesmo tempo em que preparava o livro com o parceiro. Estreou no ano passado aqui no Brasil, mas ficou em cartaz por pouco tempo e em um número reduzido de salas. Não consegui ver, mas quero conferir quando sair em DVD.

“Estou neste mundo, mas não pertenço a ele”.
- J. D. Salinger -

Biografia interessante de uma das figuras mais influentes do século XX. Indico para fãs do autor e apreciadores desse gênero literário.



Este livro foi lido como parte da parceria com a Intrínseca.

2 comentários:

Tati disse...

Tava super ansiosa pela sua resenha e agora fiquei na dúvida se leio ou vejo o filme rsrs
Vou reler O apanhador justamente pra fazer um par com a biografia, mas ainda to vendo se vale a pena ler.
Sua resenha está incrível, mas tive a impressão que essa biografia é maior do que deve ser.
Beijo enorme!

Michelle disse...

Tati,
O livro é bacana e adorei descobrir várias coisas sobre o Salinger, mas realmente acho que os autores poderiam ter eliminado alguns depoimentos repetitivos.
Depois me conta se assistir ao filme, tá?