LIVRO: Psicose
Uma
mulher apaixonada que rouba o dinheiro da empresa em que trabalha para poder
quitar as dívidas do amado e viver seu romance. Um homem de meia-idade e
solitário que mora um motel quase falido e que tem uma relação estranha com a
mãe. Um desvio pego por engano. A explosão de sentimentos há muito
aprisionados. Morte. Mistério. "Psicose"
tem tudo isso e muito mais.
Mary Crane é uma moça de 27 anos com um
passado de privações: perdera o pai na adolescência e trocara a universidade
por um curso técnico de administração, para poder começar a trabalhar logo e
sustentar a mãe e a irmã mais nova, Lila. Alguns anos mais tarde, o noivo foi convocado pelo exército e, afastado de casa por tanto tempo, acabou se
envolvendo com outra garota, com quem casou. A doença da mãe, que se arrastara
por anos e consumira todo o tempo e as economias de Mary, foi o golpe seguinte.
Sua vida parecia tomar um novo rumo quando conheceu Sam Loomis numa viagem de férias forçadas.
Sam Loomis é um homem simples, alguns
anos mais velho que Mary, que herdou uma loja de ferragens numa cidadezinha do
interior. O problema é que, junto com o negócio, herdou também uma dívida
enorme. No entanto, graças à sua dedicação exemplar em honrar os pagamentos,
ele tem boa reputação no local. O encontro com Mary e o estabelecimento de uma
relação amorosa entre eles, mesmo que à distância, deram a Sam ainda mais ânimo
para resolver as pendências financeiras para poder se casar. Só que, apesar do
empenho, eles ainda precisariam esperar alguns anos para concretizar a união.
Quando Mary tem a oportunidade, na forma de $40.000,00, esfregada na sua cara,
decide se arriscar e rouba o dinheiro. No caminho até a loja de Sam, ela vai
criando um plano para explicar a grana e sonha em como será sua nova vida.
Mas era uma noite chuvosa e no meio do caminho havia um desvio, que ela pega sem
perceber, e vai parar em um motel meio sinistro e desabitado. Cansada e
faminta, Mary decide passar a noite ali e seguir viagem no dia seguinte. Norman Bates, o gerente do lugar, se mostra
atencioso e arranja para ela não apenas um quarto, mas também sanduíches para
que ela pudesse matar a fome.
E
então... vocês sabem o que acontece. Mesmo quem nunca leu o livro nem assistiu
ao filme do Hitchcock conhece a famosa ‘cena do banheiro’. Depois dela, começa
a procura de Lila e de Sam pela desaparecida Mary; aparece o detetive
contratado pela empresa em que ela trabalhava; vem a polícia local... a
história se transforma em uma trama policial. Mas não é isso o mais importante.
O que conta no livro são os pensamentos desconexos de Norman. Para quem não
conhece o fim da história, não é possível detectar logo o que está acontecendo.
Só o que sabemos é que Norman tem uma relação conflituosa com a mãe, Norma, que é muito controladora e
castradora; os pensamentos dele em relação à mãe são dúbios, ora demonstrando veneração, ora expressando ódio – a impressão que temos é que ele parece bipolar.
Diferente
do filme, em que ouvimos a voz da mãe, no livro temos o registro de Norman
relatando o que a mãe dissera, pensando no que ela diria, misturado suas
próprias falas com as dela. Isso ajuda muito a criar o efeito da doença de
Norman que é revelada no desfecho. Outra dica que o autor dá sobre a condição
mental de Norman são os espelhos: ele se vê sempre distorcido, como uma outra
pessoa. E o Norman do livro, ao contrário daquele do filme, parece saber que
tem um transtorno psíquico sério, que em certo momento ele especula ser
esquizofrenia ou algum tipo de neurose. Ele tenta descobrir o que há de errado
com ele lendo publicações místicas e livros de psicologia e parapsicologia.
Mas, sem ajuda, acaba não conseguindo lidar com a situação...
“É
melhor assim. Estranho como as coisas funcionam na vida real. Nenhum de nós
suspeitou da verdade, nós só cometemos um erro atrás do outro até fazer as
coisas certas pelas razões erradas. E, nesse momento, eu nem consigo odiar
Bates pelo que fez. Ele deve ter sofrido mais do que qualquer um de nós. De
certa maneira, eu quase posso entender. Nós não somos tão lúcidos quanto
fingimos ser."
Fato
é que o livro consegue prender a atenção até o fim, mesmo daqueles que já sabem como a história termina. Com uma escrita simples, o autor conseguiu criar a tensão
necessária e manteve o suspense sobre o que havia de errado com Norman e sobre
como ele faria para se livrar das enrascadas em que se meteu. Recomendo muito!
Nota:
4/5
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FILME: Psicose
Hitchcock,
como sempre, fez muitas alterações à história (embora, desta vez, não tenha
mudado substancialmente a trama). E reconheço que, em “Psicose”, as mudanças foram para melhor.
Para
começar, o casal Mary/Sam do livro,
que mantinha um relacionamento sem sal à distância, no filme é mostrado como
uma dupla sexy, que se encontra em motéis e já na cena de abertura aparece
seminu na cama. Nada melhor para chamar a atenção da plateia, não é mesmo? Norman é outro que melhora
significativamente na visão do diretor: de um sujeito de meia-idade, gordo e
suado, que obviamente espantaria qualquer mocinha do já suspeito motel, ele
passa a ser um rapaz tímido e fisicamente frágil, que desperta compaixão nas
pessoas. Essa alteração da personalidade e das características físicas dos
personagens foi fundamental para gerar empatia no público.
O
passado sofrido de Mary (que no filme se chama Marion) é deixado de lado, e a história de dívidas de Sam é um pouco modificada, mas ainda
permanece, já que é o motivo que leva Marion a roubar. O interessante é que,
embora no livro e no filme a mocinha afirme que pegar o dinheiro foi uma
oportunidade, no texto ela não parece se arrepender nem um minuto, enquanto no
filme ela demonstra sinais de arrependimento durante um diálogo sensacional
entre Marion e Norman criado para a tela: ela diz que havia armado sua própria
armadilha; ele tristemente complementa que havia nascido na sua. Umas das
minhas cenas favoritas do filme!
Além
das mudanças na história, é inegável que o que fez de “Psicose” um dos filmes mais importantes já realizados são as
inovações técnicas, de posicionamento de câmera e corte de cena e a música
marcante, é claro. Grande parte do impacto do filme vem do som cortante do
conjunto de cordas – sem ele o filme não seria o mesmo. E toda a polêmica que
envolveu a produção e o lançamento do filme, com seu marketing inovador, só
aumenta ainda mais a aura de obra de arte do filme (Já falei sobre essas e
outras curiosidades nos posts da Semana Hitchcock).
Embora
eu já tenha visto o filme várias vezes, a cada sessão observo algo novo. Uma
coisa que eu nunca tinha reparado, e que o professor enfatizou na aula sobre “Psicose”, é a questão do duplo no
filme. Além de explorar essa questão no óbvio duplo Norman/Norma, o diretor, ao mudar as características físicas dos
personagens, levou o assunto para um outro nível, pois Norman e Sam são
claramente o reflexo um do outro (o primeiro, mais franzino e inseguro; o
segundo, com porte e atitudes de galã irresistível), assim como as irmãs Marion e Lila também são absurdamente parecidas (neste caso, a primeira é
mais alta e cheia de curvas; a segunda, por ser mais nova e representar a
substituta da irmã, é mais baixinha e se veste com mais discrição - uma versão mais apagada da primeira). Muito
interessante.
Para
mim, o filme é quase perfeito. Tirando a forma como Norman entra no porão numa
das cenas finais (embora seja a imagem fiel do que é descrito no livro) e a
parte da explicação da doença dele (eu preferiria um encerramento brusco, sem
explicar nada – mas provavelmente o público não gostaria), não tenho o que
criticar. E relevo esses defeitinhos porque o restante é maravilhoso demais!
Nota:
4/5
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Este post faz parte do 'Hitchcock Reading Project'. A lista de livros e suas adaptações com as respectivas resenhas está AQUI.
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