LIVRO: Rebecca
História
de uma jovem pobre e sem família que
trabalhava como dama de companhia para poder se sustentar. Enquanto estava com
sua empregadora rica em
Monte Carlo , a senhora adoece e se recolhe ao quarto de hotel
por uns dias, e, nesse tempo a menina tímida e invisível se aproxima de Maxim de Winter, um viúvo quarentão
calado e atormentado por um passado trágico. Os poucos dias que passam juntos
são suficientes para ele propor casamento à moça. Levada por seus ideais
românticos e juvenis ela aceita, mas o que não imaginava era que teria que
enfrentar uma rival contra quem não tinha armas para lutar: Rebecca, a ex-esposa falecida de Maxim.
“Rebecca” é um livro incrível. A
narrativa que descreve preciosamente paisagens e atmosferas vai enredando o
leitor aos poucos, jogando um mistério aqui, um momento tenso ali, uma surpresa
mais adiante, uma revelação bombástica quase no final. Demorei um pouco a
entrar na história, acho que mais pela escrita datada e meio afetada. Sabem
aqueles filmes antigos em que os atores são todos expansivos demais? Então,
mais ou menos isso. Não que seja um defeito, mas sempre preciso de um tempo até
me acostumar com o estilo. Umas cinquenta páginas depois, no entanto, eu já
havia sido fisgada.
O
interessante da história é acompanhar o crescimento e as transformações da
protagonista, que começa como uma moça totalmente sem graça – tanto que em
momento algum seu nome é citado – e vai aos poucos, e com muita dificuldade,
assumindo o novo papel de Mrs. de Winter.
Ela é tão ingênua e atrapalhada que às vezes chega a dar pena (e outras vezes chega
a dar raiva), mas seu jeito de ser é compreensível. Acostumada a ser uma
sombra, a servir e a obedecer, ela se sente diminuída ao chegar à imponente
mansão Manderley, não sabe como se
portar com os constantes convidados, não se impõe como dona da casa, não
consegue nem mesmo se localizar numa propriedade tão grande.
Em contraposição, Rebecca, sua oponente, jamais é mostrada, mas seu nome, seu perfume, suas escolhas estão em toda parte – ela é onipresente. A concorrência com a esposa falecida é totalmente desleal: primeiro
porque os mortos sempre levam vantagem, pois são intocáveis; depois porque
parece que Rebecca era mesmo a criatura mais perfeita da face da Terra – era
linda, elegante, engraçada, inteligente, bondosa; sabia dar festas como
ninguém; administrava a casa; cuidava da decoração, do cardápio, do jardim...
todos a adoravam. A morte trágica por afogamento só fez aumentar sua aura de
perfeição.
Como
se não bastasse lidar com o fantasma da ex-dona da casa, a nova Mrs. de Winter
ainda tem que aguentar os mandos e desmandos de Mrs. Danver, a sinistra governanta da mansão, que idolatrava a
ex-patroa e tinha uma relação de proximidade com ela. O fato de Maxim parecer
perturbado e irritado toda vez que alguém tocava no nome da falecida só fazia
piorar a sensação de impotência da recém-chegada e colaborava para aumentar a
percepção errônea que ela tinha das reações do marido – aquele famoso
probleminha de comunicação.
Na
verdade, Maxim é bem insensível com relação à nova esposa. Obviamente, ele não
havia casado por amor – o motivo é bem egoísta: ele não queria ficar sozinho na
mansão. Mas em momento algum ele parece se importar com os sentimentos da moça,
desde quando diz que não se casariam na igreja porque ele já havia passado por
isso antes (independente de ela não ter vivido essa experiência), passando por
seu comportamento misterioso e explosivo sempre que ela tentava saber mais
sobre Rebecca (ele tinha motivos para tanto, mas nem tenta explicá-los à moça)
e até seu distanciamento quando estavam juntos (a cena em que a jovem percebe
que está agindo feito o cão da família e implorando um afago é bem triste). É
claro que o modo de agir de Maxim é fundamental para manter o suspense da trama,
mas não deixa de incomodar ao pensarmos na situação da esposa.
É
curioso que um livro dos anos 30 traga frases e ideias que soam ainda atuais
quanto ao que se espera de uma mulher.
1- Como
quando Mrs. de Winter diz que não saberia organizar um baile, e o que ouve em
resposta é: “Não haveria necessidade de
fazer coisa alguma. Bastaria que a senhora se mostrasse decorativa, se
apresentasse como é.” (decorativa!!).
2- Ou
como quando Mr. de Winter diz ser uma pessoa com quem é difícil viver, e a
esposa responde: “Não é difícil, não!
(...) Fácil até, muito fácil. Muito mais fácil do que pensei. Sempre julguei
que o casamento fosse algo terrível, que o marido da gente bebesse, ou usasse
linguagem pouco cristã, ou impertinasse com as torradas de manhã (...).” (ou
seja, a esposa deve suportar tudo).
3- Ou
então quando a moça se sente mal e a cunhada suspeita de gravidez e diz: “Sinceramente desejo que você produza logo
um herdeiro. Seria ótimo para Maxim. Espero que não esteja fazendo nada para
evitar...” (ah, claro... porque só dependia dela gerar um filho,
não? E seria ótimo para Maxim – será que seria ótimo para a esposa? Era essa
a vontade dela?).
4-
Ou quando Mr. de Winter resolve mostrar que ele sabe o que é melhor para a
esposa (afinal, ele é homem, então é óbvio que tem razão): “Bem, um marido afinal de contas, não é muito diferente de um pai. Há
certas coisas que é preferível você não saber, e é melhor que fiquem trancadas
à chave. E pronto. Como agora o seu pêssego, e não faça mais perguntas – se não
quiser que a ponha de castigo no canto.”
Embora
a forma forçada como o acaso ajuda o casal a se livrar do passado tenha me
incomodado, não chega a comprometer a história. E confesso que as revelações
sobre a morte de Rebecca me surpreenderam. Eu não esperava mesmo!
“Deus
do céu, eu não queria pensar em Rebecca! Queria ser feliz, fazer Maxim feliz,
estar sempre com ele. Não havia outro desejo em meu coração, afora esse. Mas
não podia evitar que ela constantemente me viesse ao pensamento, ou que me
atormentasse nos sonhos. Não era minha a culpa, se me sentia como hóspede em
Manderley – o meu lar, andando por onde ela passara, descansando onde ela
descansara. Eu era um hóspede que aguardava a minha hora, que esperava pelo
retorno da dona da casa.”
Nota:
4/5
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FILME: Rebecca
Tirando
alguns ajustes aqui e ali, o filme do Hitchcock
é uma adaptação bastante fiel ao livro (em parte devido ao contrato que
limitava suas interferências). A única alteração significativa é o que levou à
morte de Rebecca (a mudança consiste em uma frase apenas,
mas modifica a natureza da morte e foi feita para evitar problemas com a
censura).
Hitchcock
já era um diretor consagrado na Inglaterra quando recebeu o convite do produtor
David O. Selznick para trabalhar em Hollywood. Seduzido
por novos desafios e por uma tecnologia mais avançada do que aquela que
costumava usar, Hitch aceita, mas os dois tinham visões e métodos de trabalho
muito diferentes, o que gerou muita insatisfação para ambos e muita tensão no
set de filmagem. Enfim... “Rebecca”,
a estreia de Hitch nos Estados Unidos, foi indicado a onze categorias do Oscar, em 1941, e levou duas
estatuetas, incluindo a de melhor filme.
Embora
eu tenha achado um trabalho muito bom do diretor, não é dos meus preferidos.
Hitch explorou muito bem o tom paternalista irritante usado por Mr. de Winter
com a nova esposa. Joan Fontaine consegue
passar toda a sensação de não-pertencimento àquele mundo da alta sociedade, o
medo que sentia da governanta macabra, os temores com relação ao comportamento
explosivo do marido, a ideia de que realmente era uma hóspede em sua própria
casa e que estava sobrando no mundo.
Uma
das minhas cenas favoritas do filme é também uma das que eu mais havia gostado no
livro, quando Mrs. Danvers, a governanta, mostra com orgulho o quarto da
ex-patroa que mantinha intacto, como se aguardasse sua volta. Mrs. de Winter
vai ficando mais e mais angustiada, se sentindo cada vez mais oprimida por
aquela presença fantasmagórica, e a empregada aproveita a perturbação da moça
para sugerir que ela salte da varanda. Tenso, muito tenso!
Atmosfera
sombria, perturbação psicológica, morte mal explicada... tudo que uma produção
de Hitchcock deve ter. Esse cumpre tudo direitinho, mas faltou algo para
torná-lo brilhante. Mesmo assim, é uma ótima opção de entretenimento.
Nota: 4/5
Este post faz parte do 'Hitchcock Reading Project'. A lista de livros e suas adaptações com as respectivas resenhas está AQUI.
Este post faz parte do Projeto Vencedores do Oscar, no qual assistirei e postarei comentários sobre todos os agraciados com o Oscar de Melhor Filme. Para ver a lista de filmes e a análise de outros títulos, CLIQUE AQUI ou no banner na barra lateral do blog.
2 comentários:
Faz um tempão que quero ler livro e sua resenha me deixou com mais vontade ainda. O filme também parece ótimo!
Lígia,
Os dois são muito bons. Vale a pena dar uma conferida :)
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