Amelia (Essie Davis) é uma mãe solteira que tem que lidar com a sobrecarga do trabalho em uma casa de repouso, as tarefas domésticas e o medo de monstros do filho de 6 anos, Samuel (Noah Wiseman). Apesar da exaustão, ela se esforça para dar conta de tudo sozinha. E, toda noite, antes de dormir, ela faz a ronda com Samuel para ver se não há nada escondido nos armários ou debaixo da cama. Depois, lê para ele uma história. Um dia, o garoto pega na estante um livro que até então ela nunca tinha visto, sobre o Babadook. O que parecia ser uma historinha que ensina as crianças a lidarem com o medo do escuro e dos seres que se escondem nas trevas, revela, por fim, ser uma maldição bem real.
“O Babadook” é um filme incrível que, à
primeira vista, parece ser apenas mais um terror. Só que ele vai além, muito
além. Primeiro, porque não apela para
sustos fáceis e banhos de sangue
– a pegada aqui é mais psicológica. Segundo, porque ataca preconceitos: é um filme de terror feito por uma mulher, ou
seja, é um representante de um gênero ‘menor’ predominantemente masculino dirigido por alguém do sexo
‘inferior’. Terceiro, porque acaba com o
mito da “mãe perfeita”.
No
início do filme, vemos como a rotina de Amelia é dura, e como ela, mesmo assim,
não reclama, é gentil com pacientes não tão agradáveis, está sempre
disposta a ajudar a senhora da casa ao lado que sofre de Parkinson, demonstra ser amorosa com o filho. Mas então começamos a ver as outras facetas da
protagonista, enxergamos o que acontece em seu íntimo, por trás da máscara que
ela usa em sociedade para fingir que está “tudo normal”, conhecemos todos os
sentimentos ruins e conflitantes que ela aprisiona há muito tempo.
Começamos
a notar a mulher (que se sente
solitária e inveja casais apaixonados, que gostaria de ter um pouco de
privacidade em sua própria casa, que adoraria ter amigos de sua idade com quem
sair e conversar) por trás da mãe
(que às vezes está cansada demais para aguentar uma criança com energia
infinita, que às vezes fala um pouco mais alto do que gostaria com o pequeno,
que às vezes pensa em como seria sua vida sem um filho).
Só
que a protagonista, além de lidar com esses dilemas femininos comuns, ainda
sofre de um trauma terrível: a morte
do marido em um acidente de carro, ocorrido quando ele a levava ao hospital
para dar à luz Samuel. Então, além da perda do amor de sua vida, ela ainda
ficou com todo o trabalho de criar a criança sozinha e acaba, mesmo sem querer,
culpando o menino por tudo. Por muito tempo ela conseguiu afastar da mente todo
o ressentimento, a raiva, a culpa, mas os sentimentos represados um dia
explodem. E é aí que entra o Babadook.
A
princípio, Samuel fica aterrorizado com o novo monstro e seu medo é tanto que
ele acaba se metendo em confusão na escola e é expulso. Mais um problema para
Amelia resolver. O menino vê o Babadook em toda parte, não dorme e chegar a ter convulsões. Mais e mais peso para Amelia carregar. Até que ela surta. O monstro
imaginário do filho faz o monstro interior da mãe botar as garras de fora. Sem
alternativa, ela vai se transformando no próprio monstro ao liberar todo o
pesar reprimido e as frustrações, mas, como a diretora mostrou em uma metáfora
bem sacada dos dentes que Amelia arranca com as mãos, encarar a dor é a única forma de obter alívio.
Visualmente,
o filme é bem assustador, tanto pelo tal Babadook quanto pela atmosfera
claustrofóbica, solitária e escura da grande casa vazia de aspecto mal cuidado.
O posicionamento da câmera é muito interessante e, nas cenas em que a mãe grita
com o filho ou tenta agredi-lo, o que temos é a perspectiva da criança, que
enxerga o adulto de baixo para cima, alguém muito maior do que ela, muito mais
forte, muito mais amedrontador - um monstro. Sem efeitos especiais computadorizados e usando
apenas truques de câmera, a diretora consegue assustar – e muito!
É
claro que nada disso sustentaria o filme se o trabalho dos atores fosse ruim.
Felizmente, Essie Davis e Noah Wiseman são espetaculares e a química entre eles
é perfeita. Sofremos tanto com o menino quanto com a mãe; torcemos para ele
superar seus medos e para ela fazer as pazes consigo mesma e com seu passado.
E, apesar de ser um filme de terror de primeira, a lição que fica no final é
que o amor é mais forte. Se não fosse o amor de Samuel pela mãe, e dela por
ele, o Babadook teria vencido. Mas mãe e filho foram corajosos o suficiente
para seguir em frente e deixar fantasmas e monstros no porão.
Preciso dizer que amei o filme e que recomendo fortemente?
Nota: 4/5
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Jennifer Kent nasceu em Brisbane, Austrália. É atriz, roteirista e
diretora. Sua inspiração para ingressar na carreira de diretora de cinema foi
filme “Dançando no Escuro”, de Lars
von Trier, a quem escreveu pedindo para ser sua aprendiz, e de quem foi
assistente alguns anos depois. “O Babadook” é seu primeiro longa-metragem, baseado em seu curta "Monstro", e ganhou vários prêmios, inclusive o de Melhor Filme, segundo a Associação de
Críticos de Cinema de Nova York.
Este post faz parte do projeto Veja Mais Mulheres, criado pela Cláudia Oliveira. Para ver o post de apresentação que inclui minha lista de filmes e os links para as respectivas postagens, clique AQUI.
2 comentários:
Quase não assisto filmes de terror porque tenho medo de ter medo, mas vejo um monte de gente comentando alguns filmes recentes que parecem muito bons. Acho que vou dar uma chance a esse. :)
Lígia,
Dê sim. Às vezes é bom sentir medo, principalmente nos filmes, que não podem nos atingir de verdade.
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