Um livro que traz na capa
pessoas fazendo stage diving.
Uma história de amor em todas as suas fases vivenciada nos anos 90, com direito a um capítulo
especial no dia do show do Nirvana no
Morumbi, em São Paulo. 'Drain You' como música-tema e inspiração do título.
Como não querer ler “A Maçã
Envenenada”?
OK, nem
todo mundo compreende o apelo de todas as coisas que citei no parágrafo
anterior, mas acredito que para os fãs de rock, principalmente aqueles que,
como eu, passaram a adolescência suando em camisas de flanela na época em que o
grunge estourou, o interesse pelo livro seja imediato. No entanto, enfatizo que a história NÃO se destina apenas a
esse público. Qualquer leitor que aprecie uma trama mais realista vai ter
uma ótima leitura.
A história é narrada por um
jovem sem nome que avança e
retrocede no tempo para contar como nossas escolhas, até as mais simples,
influenciam nosso futuro. No caso do narrador, tudo começou a mudar no dia em
que conheceu Valéria, uma garota
diferente e intensa que vira o mundo do rapaz de cabeça para baixo. Para ele,
as coisas passam a ser divididas em “antes de Valéria” e “depois de Valéria”.
Por causa dela, o narrador
pondera sobre sair do quartel sem autorização para assistir ao show do Nirvana
de 93. Ainda por causa dela, ele quase morre em um acidente. Para fugir dos
efeitos nocivos dela, ele vai para Londres, onde fica sabendo do suicídio de
Kurt Cobain, um ano depois. Em um momento de reflexão, decide abandonar de vez
a faculdade de direito e, de volta ao Brasil, começa a trabalhar como
jornalista.
E é então que uma outra
personagem crucial aparece na história: Immaculée
Ilibagiza, estudante de engenharia em Ruanda, em 1994, que se
transformou em escritora e palestrante após sobreviver à horrenda guerra civil
que atingiu seu país e dizimou sua família. Depois de passar 90 dias escondida
em um banheiro com mais sete mulheres, a vida da garota se transformou e, mesmo
tendo todos os motivos do mundo para odiar seus agressores, ela os perdoou. [resenhei o livro da Immaculée AQUI]
O caminho de ambos se cruza
quando ele é designado para entrevistá-la. Aturdido diante de um exemplo de
bondade e perseverança de uma pessoa que sofreria muito menos caso se
entregasse à morte, mas que preferiu lutar e se agarrar ao fiapo de vida que
lhe restava, o narrador começa a pensar em outras pessoas que marcaram sua
trajetória, que tinham muitas opções de caminho à sua frente, mas que, seja lá
por qual motivo, decidiram abraçar e morte e sair de cena. Pelos olhos dele,
percebemos o peso das escolhas extremas na vida de quem toma tais decisões e na
de quem as cerca.
Eu achei a escrita do Michel Laub muito envolvente. Simples e
direta, porém interessante. A narrativa não-linear nos faz entrar na cabeça do
narrador, como se estivéssemos acompanhando o fluxo de pensamentos que ora
relembra o passado, ora reflete sobre o futuro. O papel de Immaculée na trama
não é muito claro no início, mas aos poucos vamos entendendo sua importância e
percebemos como ela é a chave de tudo.
A ambientação foi outro
ponto que me agradou bastante, já que uma parte da história se passa em São Paulo. Adoro
quando sou capaz de reconhecer as ruas e estabelecimentos citados. E, neste
caso, não apenas os locais físicos, mas também o clima, o comportamento das
pessoas, o estilo musical dos personagens, tudo é extremamente familiar para
mim. Eu poderia, de fato, ter conhecido essas pessoas, ter andado com elas, ter
ido ao show com a turma delas.
Confesso que nunca fui fã
do Nirvana enquanto a banda existia. Só comecei a ouvir o som deles depois da
morte do Cobain. E nunca tinha prestado atenção à letra de 'Drain You'. Claro que ela pode
ter diversas interpretações, mas acho que sua escolha para nomear o livro e
representar a relação entre Valéria e o narrador é perfeita: um amor doentio em
que uma pessoa quer sugar a outra até a morte.
“Entre a noite no bar
Independência e a vinda do Nirvana a São Paulo foram onze meses. Comparar o dia
anterior ao primeiro encontro com Valéria e o posterior ao show é como falar de
tempos diversos, mundos contrários em si. De Valéria eu também não guardei fotos, nem
uma peça de roupa, nem uma fita com alguma música da banda, mas é como se ela
continuasse com dezoito anos num presente eterno, e cada vez que vejo os vídeos
do Morumbi eu sei que ela está lá, nas trevas entre as primeiras filas, logo
adiante de onde filmaram a entrada de Kurt Cobain em meio à luz azul".
Nota: 4/5
Para matar a saudade, a
execução de 'Drain You' no Hollywood Rock, em 93:
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