Laila é uma jovem artista plástica que
descobre que tem uma doença degenerativa que avança rapidamente e a deixará
cega. Pierre é o funcionário público
que decide abrir mão de tudo para se dedicar 100% a Laila. Uma história de amor
singela e comovente – pelo menos é o que dá a entender à primeira vista. Mas
nada em “Turismo para Cegos” é o que
parece ser.
Perder
a visão é, sem dúvida, uma das coisas mais assustadoras que pode acontecer a
alguém. Principalmente no caso de Laila, que, além de jovem, é artista
plástica, acostumada a ver o mundo por uma lente diferente, uma pessoa intensa,
que vibra na sintonia das cores, das formas e das texturas. Então, é
compreensível que ela esteja com raiva: por saber que jamais voltará a admirar
um pôr do sol (real, fotografado ou pintado), por prever que perderá sua
autonomia, mas, sobretudo, por virar alvo de perguntas e mais perguntas sobre a
doença, ser considerada uma coitada que deve escutar todo tipo de conselho e se
transformar em uma pessoa digna de pena. Sua reação diante de tudo isso é a
frieza e o cinismo.
De
certa forma, é por isso que ela acaba permitindo a aproximação de Pierre, que
pareceu agir com praticidade diante da doença dela, e, mesmo sendo um sujeito
que tinha todos os defeitos que ela não tolerava em um homem, foi aceito. Mas
nunca amado. Apesar de todos os esforços dele para alegrá-la, ela nunca fica
satisfeita, e demonstra isso claramente sempre que tem uma oportunidade –
especialmente se puder ridicularizar o namorado em público.
Laila
é uma protagonista egoísta, ingrata, maldosa mesmo. Acho que, tirando os
momentos que mostram os sentimentos dela com relação a se tornar alvo de
piedade e aos métodos que ela inventa para ser livre dentro de sua imaginação,
foi impossível gostar dela. E é aí que está o diferencial do livro: ele coloca
diante de nós uma mocinha de história de amor (que não tem nada de romântica)
que tem uma deficiência visual, o que poderia facilmente torná-la um personagem
bonzinho, mas frustra essa expectativa involuntária ao nos apresentar a uma
criatura abominável.
Aliás,
Pierre, que o livro todo parece um cara bobão de quem sentimos pena e até
vergonha alheia, no fim mostra sua cara real (e, vou dizer, não é nem um pouco
bonita). Até a vendedora do pet shop
– que é a narradora da história – que parecia satisfeita em seu papel de
ouvinte e coadjuvante, acaba surpreendendo, quando revela seus pensamentos
e planos. E ter uma narradora-observadora torna tudo ainda mais ambíguo, já que
fala da história que ouviu dizer, elabora a partir do que viu. Outro recurso
que indica que não podemos confiar nas aparências é a repetição dos títulos dos
capítulos: algo que para uma pessoa é X, para outra pode ser Y. Achei bem
interessante.
“Turismo para Cegos” é um livro que
engana e surpreende, já a partir de seu título. Os personagens são todos
detestáveis e com motivações e atitudes nada lisonjeiras, mas que conquistam
por sua crueza e veracidade. São falhos e repugnantes, mas extremamente
humanos. E isso, para mim, vale muito.
“Com
a cegueira, perde-se o deslumbramento. A capacidade de se maravilhar depende da
visão. Há quem diga que é possível ter experiências de encanto com a música,
mas é algo diferente. A beleza melódica vem em sucessões, nunca repentina como
o que se pode ver.”
Para
quem gosta de observar a natureza humana – e tudo o que ela tem de bom e de ruim.
2 comentários:
Mi, maravilhosa a resenha!
Como você descobriu este livro?
A Gláucia ia adorar (acho!), ela sempre diz que gosta de livros com personagens odiosos!
Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas vou procurar pra ler!
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